terça-feira, 4 de novembro de 2008

Erro


Era uma vez uma pessoa. Aliás, algumas pessoas. Depois de muito tempo morando juntos, reconheceram-se como grupo. Depois de muito tempo como grupo, observeram algumas semelhanças entre si e passaram a se auto-denominar sociedade. Assim feito, perceberam que faltava um líder. Um homem como os outros da multidão virou para seu próximo e falou:

- Que tal uma teocracia?

- Boto fé.

- Obrigado.

Levantou a mão e disse a todos que tinha visto uma luz. Uma luz que chegou somente pra ele. Estava óbvio que era o Escolhido. Instituiu leis naturais e divinas, o que é bom e ruim. Muitos anos assim passaram. Ele foi feliz para sempre. Os outros, nem tanto. Só muitos anos depois, a sociedade se sentiu distante dos líderes que a guiavam; precisavam de um líder novo. Um homem como os outros da multidão virou para seu próximo e falou:

- Que tal a gente ir pro campo?

- Vamos plantar essa idéia.

Levantou a mão e semeou a mente de todos com belas melodias, poesia e várias invocações de fugere urbem, e é bom fugir mesmo, porque os bárbaros vêm aí. Estava óbvio que era o mais Belo. Ele e o que concordou com ele. Cada um instituiu regras de convivência e etiqueta, roupas elegantes e feias, mas manteve o esqueleto do poder anterior. Ambos diviriam a terra e o povo, que, no final das contas, era uma coisa só. Muitos anos assim passaram. Eles foram felizes pra sempre. Os outros, nem tanto. Só muitos anos depois, alguns que estavam distantes dos líderes julgaram precisar de um líder novo. Um homem como os outros da multidão virou para o seu próximo e falou:

- Que tal a gente ter poder?

- Pode ser.

Levantou a mão e pôs no coração de todos seus motivos. Eram motivos sinceros - para ele mesmo. Estava óbvio que ele era o mais Sábio. Foi eleito presidente. Instituiu leis, taxas, nomes bonitos, unificou a população separada, mas separou três poderes e manteve o esqueleto do poder anterior. Cada poder tinha uma função. Muitos anos assim passaram. Mas os poderes foram enfrequecendo ou ganhando poder demais, não se sabe. Certo é que não funcionavam. Criaram um quarto poder, o moderador. Não tardou a surgir também o mediador. Depois o efetivador e o cumpridor. E o compridor. Com o tempo, eram tantos poderes que não havia poder nenhum. A sociedade faliu. Aliás, a sociedade não. O guia. Cada parte da sociedade recolheu o que lhe pertencia e resolveu ir para seu lado, enfim.

Era mais uma vez uma pessoa. Aliás, algumas pessoas. Depois de muito tempo morando juntos, reconheceram-se como grupo. Depois de muito tempo como grupo, observeram algumas semelhanças entre si e passaram a se auto-denominar sociedade. Todos se entreolharam. Alguém quis levantar a mão. Foi espacando pelos outros. Assim feito, só assim feito, haviam entedido. Ninguém comete o mesmo erro tantas vezes.

Um comentário:

Matteo Ciacchi disse...

"que tal uma teocracia?" "vá pro seu inferno"