Há alguns anos, eu era advogado em Paris, e - juro - um advogado bastante conhecido. É claro, não lhe disse meu verdadeiro nome. Eu tinha uma especialidade: as causas nobres. A viúva e o órfão, como se diz, não sei por que, já que, enfim, há viúvas abusivas e órfãos ferozes. Bastava-me, no entanto, farejar num réu o mais leve cheiro de vítima para que minhas mangas entrassem em ação. E que ação! Uma tempestade! Eu tinha o coração nas mangas. Podia-se pensar que a justiça dormia comigo todas as noites. Tenho certeza de que o senhor admiraria a exatidão do meu tom, a justeza da minha emoção, a persuasão e o calor, a indignação controlada das minhas defesas. A natureza favoreceu-me quanto ao físico, a atitude nobre me vem sem esforço. Além disso, eu era alimentado por dois sentimentos sinceros: a satisfação de me encontrar do lado certo do tribunal e um desprezo instintivo pelos juízes em geral. Este desprezo, afinal, talvez não fosse tão instintivo. Sei agora que ele tinha lá suas razões. Mas, visto de fora, parecia mais uma paixão. Não se pode negar que, pelo menos, por ora, os juízes eram necessários, não acha? No entanto, eu não conseguia compreender por que um homem designava a si próprio para exercer esta surpreendente função. Admitia-o, já que o via, mas um pouco como eu admitia os gafanhotos. Com a diferença de que as invasões desses ortópteros nunca me renderam um centavo, ao passo que eu ganhava a vida dialogando com pessoas que desprezava.
Mas, enfim, estava do lado certo, isso bastava para a paz da minha consciência. O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios são, meu caro senhor, impulsos poderosos para nos manter de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar os homens desses impulsos é transformá-los em cães raivosos. Quantos crimes cometidos, simplesmente porque seu autor não podia suportar o fato de estar errado! Conheci, em outros tempos, um industrial que tinha uma mulher perfeita, admirada por todos e que, no entanto, ele traía. Este homem ficava literalmente raivoso ao se descobrir culpado, na impossibilidade de receber, ou de passar a si próprio uma certidão de virtude. Quanto mais a mulher se mostrava perfeita, mais ele se enraivecia. Finalmente, seu erro se tornou insuportável. Que pensa que fez, então? Parou de enganá-la? Não. Matou-a. Foi deste modo que travei conhecimento com ele.
Albert Camus, em trecho de La Chute, 1956.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
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