Engraçado que quando eu estava vindo para cá, fui parado por alguém que me perguntou: "vai fazer o quê?", ao que respondi "vou escrever". Continuou: "escrever o quê?", e eu me peguei pensando. Como assim, escrever o quê? Não se escreve isto ou aquilo; apenas se escreve. Escrever devia ser verbo intransitivo. Como nascer.
Passada a divagação aspirante a machadiana, a intenção aqui hoje é falar sobre papel. Antes disso, porém, eu preciso definir status. Status é "a posição que cada ser ocupa na estrutura social, de acordo com o julgamento coletivo ou consenso de opinião do grupo". Papel, por outro lado, é o conjunto de maneiras de se comportar que se espera de um indivíduo dentro de uma sociedade. Papel, bem como status, são conceituações abstratas, não exata nem perfeitamente tácteis. Sendo assim, "papéis e papéis prescritos,portanto, não são conceitos que se referem ao comportamento real de qualquer indivíduo considerado"; para isso nós invocamos o comportamento do papel, que é aquilo que cada ser faz dentro (ou às vezes fora) do seu papel. Para as linhas seguintes, adotemos que papel é o comportamento do papel.
Status e papel se relacionam de forma a que este está mais atrelado àquele; cada status define um papel e seu comportamento, e isso se dá em três níveis: o comportamento esperado (aquilo que a sociedade espera), o comportamento adotado (o que você faz), o comportamento total (a influência do papel relacionado a um dos seus status nos seus outros papéis). Pensemos num médico pai de família. Seu status principal (o predominante) é de médico, mas ele é pai, e tomaremos esse para exemplificar; enquanto pai, espera-se que cuide dos filhos, dê educação e carinho (esperado); mas um pai pode defenestrar o filho (adotado); numa reunião de pais e filhos, mesmo médico, ele estará debatendo com os professores enquanto pai. Com isso, fica mais clara a diferença de enfoque entre status e papel, o primeiro sendo mais abstrato e ligado a conceito, e o segundo sendo mais concreto, e ligado a comportamento.
O sistema de status é responsável pela criação/manutenção de padrões que rege a interação entre seus membros, ocupantes de variados tipos de status. O comportamento dessas pessoas dentro desses padrões remetem, por sua vez, ao papel. A educação e polidez - ou suas respectivas ilusões - que um parlamentar apresenta com outro - "Vossa Excelência", ao invés de "Ladrão" -, do empregado com o empregador, é um exemplo das interações sistema de status - papel.
Dentre as características diversas do papel, ressalto três, e a primeira é sua relação com os contrapapéis ou papéis associados. Escolhamos um professor. O papel dele é dar aula. Mas seus alunos esperam que ele termine o assunto logo, seus colegas esperam que ele seja qualificado, seu superior espera que se dê bem com os alunos... Dessa maneira, o papel do professor é definido pelas expectativas dos seus respectivos contrapapéis, que gerarão uma concepção que deve ser correspondida. Vemos também que os papéis - bem como os status - são vivos e existem além das pessoas que os ocupam; ainda com o professor, se ele deixar de lecionar numa cadeira, ela continuará existindo, e o cargo de professor, bem como a aula que ele poderá dar, também. Daí podemos concluir que um papel pode ser desempenhado por várias pessoas - todos os estudantes de uma sala ocupam papel de estudantes da dita sala. Já vimos também que uma pessoa pode desempenhar vários papéis - como o médico que é pai, e também pode ser sócio de um clube, ser membro de uma igreja satânica...
O ser, nesse turbilhão, fica definido como possuidor de personalidade básica, esta sendo independente do grupo em que participa. Entretanto, dentro do trinômio situação-função-grupo, um indivíduo vai ser obrigado a escolher e representar um papel - na maioria das vezes, um relacionado ao que é predefinido pelo trinômio -, e esse papel sofrerá pequenas modificaçõespela personalidade básica do indivíduo.
Os papéis possuem certa flexibilidade. Alguns mais, outros menos, e isso muda de acordo com infinitas variáveis - na sociedade de castas indiana, esse tipo de "liberdade" é pouca. Vemos que essa flexibilidade vai aumentando à medida que a sociedade vai evoluindo e se aumentando seu grau de complexidade. A mulher não podia trabalhar até 1950, e não podia deixar de ter filho até 1970 (datas médias estipuladas); hoje, ambos são possíveis, comuns e às vezes até encorajado. Algo que não fazia parte do papel da mulher, em tão pouco tempo, ficou incorporado e sedimentado. Fica, então, a sociedade como criadora e transformadora de papéis.
(livro base: sociologia geral, de eva maria lakatos, colaboração de marina de andrade marconi)
PS: o papel do leitor é ler, entender e comentar.
Um comentário:
eu já tinha quase certeza que sociologia era interessante :D
Claro, o texto está ótimo e eu gostei dessa frase: "cada status define um papel e seu comportamento" ^^
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