domingo, 13 de julho de 2008

Nierika

Em tempos imemoriais, viviam dentro de uma caverna. Um grupo de animais, andavam parcialmente sobre duas patas, e possuíam menos pêlos que os demais. Ademais, seguiam a sua natureza: selvagens inatos.
Suas vidas eram guiadas por dois momentos. No verão a fartura no litoral, onde eram abundantes os peixes e as aves. No inverno deslocavam-se para o interior do continente, onde ainda havia alimento, escasso, mas havia.
Seguia-se a vida, passavam-se as eras. Um dia, igual a tantos outros que viriam, mas diferente de todos que já passaram, um deles, numa de suas andanças, encontra seres como ele. “Como” pois não eram iguais, não. Havia diferenças, sutis. Algo na estatura e na constituição, um tom no olhar, algo assim. Teve medo, ocultou-se atrás de uma rocha. Mas o outro havia percebido a sua presença.
Ele se aproximou, lenta e cautelosamente. O primeiro ficou estático, sem reação. Não sabia como reagir. Atacar? Fugir? As conseqüências de ambas atitudes eram por demais complexas para a sua mente. Mas ele entendia que havia conseqüências. Graças ao outro, surgia ali o que viria a ser chamado de “consciência”.
O outro levantou a mão, e deixou cair na mão semi-aberta dele um pequeno objeto. Não passava de um círculo pequeno, feito de algum material branco e resistente, embora não muito. Possuía um furo no meio, e ao primeiro olhar, ele percebera que aquilo era diferente de tudo que já vira. Havia algo que estava presente naquilo, algo que denotava a sua “não natureza”. Sabia de modo inato que aquilo não poderia ser encontrado no habitat como estava ali.
Sem grunhir ou fazer mais nada, os dois deram as costas e foram cada um para o seu lado.


Era o inverno, e a escassez de alimentos atingia a tribo severamente. Os animais vinham mudando de comportamento, e já se tornava extremamente difícil conseguir alimento. Não sabiam se iam sobreviver àquela temporada. Ao longe, um deles avista algo se aproximando do lugar onde se abrigavam.
Eram três sombras, um pouco maiores que um deles seria, mas, por algum motivo, não podiam deixar de pensar que era um igual. Quando chegaram mais perto, viu-se que o tamanho extra devia-se as duas pesadas trouxas que carregavam, cada um, nas costas. Eles pararam, e pousaram-nas no chão, revelando uma incrível fartura de alimentos. Alguns olharam ansiosos para aquilo, outros com desconfiança e medo, vários com raiva.
Mas o que reconhecia um dos recém chegados soltou um som alto e grave eliminando a ansiedade de seus iguais. Aproximou-se daquele que reconhecera, e balançou a cabeça. “Linguagem”. Então, pegou o objeto que ele entregara, meses atrás, embora nem os meses existissem ainda, e que estava cuidadosamente guardado. Pousou-o na mão semi-aberta daquele que agora podia entender, mas não ainda chamar, como “amigo”. O outro compreendeu, e junto com os seus virou-se e saiu dali.
“Sociedade”. “Humanidade”. “Filosofia”. “Ciência”. “Estudo”. “Conhecimento”. “Idéias”. “Palavras”. Mas antes, um simples “Sentimento”.



Parabéns a Augusto Tavares, vencedor da III Competição Literária do Sarau. Parabéns também aos demais competidores!

3 comentários:

Anônimo disse...

makes you think

Kondlike disse...

Augusto sabe mesmo o potencial que tem pra escrever? O blogue dele quase nunca é atualizado, hehe.
Se não tivesse ficado muito bom, não teria sido postado. u_u

Anônimo disse...

Os contos de augusto sempre conseguem deixar uma reflexão profunda, ótimo! *-*

Ótimo conto gutinho!