Ambos iam àquele quarteirão pra comprar pão por volta das 5 da tarde. Começavam a trabalhar sempre cedo demais, então podiam chegar mais cedo e esticar as pernas numa temperatura mais amena. Já haviam pêgo o pão. Estava atrás dela na fila, mas só o percebeu por ter sentido bem o cheiro do xampu que exalava do cabelo dela a enxugar e umedecer a fina blusa de caminhada. Olhou-a, os cabelos às vezes loiros, às vezes negros, e acompanhou-os, longos, até o fim, para se deparar com pernas que julgou admiráveis. Viu que carregava talvez dois pães consigo. Certamente morava só. A fila era única e o caixa era especialmente lento - não que hoje isso virasse motivo de reclamação. Na vez da moça à sua frente, percebeu ela não estar com as moedas que pensava ter trazido para pagar os pães, e, mesmo após sucessivas tentativas, o cartão com o moderno sistema de chips não funcionava. Talvez um pouco irritado, tomando as dores do resto da enorme fila, talvez um pouco intrigado e talvez um pouco interessado, o homem manifestou-se:
- A senhora não está conseguindo pagar?
- Você, por favor. E, é, meu cartão não está funcionando.
- Ah, deixe que eu pago pra você.
- Não, não, não se preocupe.
- Por favor, deixe-me pagar. O pessoal na fila tá apressado.
- Não, eu não poderia aceitar.
- É Cartão Corporativo, não é problema.
Meio espantada, ela permite que o homem efetue o pagamento. Ele paga também os pães solteiros que estava levando e se depara com a moça, que a espera na saída.
- Mas você não pagou com Cartão Corporativo.
- É, se eu dissesse que era Banco do Brasil, você não ia aceitar e continuaríamos lá.
Ela se ri envergonhadamente.
- Queria muito agradecer ao senhor por ter pago lá.
- Você, por favor. E não é nada, não precisa agradecer. Você mora por aqui? Não lembro de tê-la visto.
- Moro, moro ali perto da Praça Dr. Carvalho.
- É engraçado, a Praça antigamente se chamava só Carvalho, mas aproveitaram e fizeram a homenagem a um político da época.
- É? Você mora por lá também?
- Sim. Então vamos indo?
Naquele começo de outono, trocando o asfalto pelos caminhos entre as árvores, caminhavam e discutiam desviando das folhas que caiam. A conversa ia agradável até que ela parou.
- Eu entro aqui.
- Deixe-me acompanhá-la até a porta. Não é muito seguro a essa hora.
- Obrigada, mas não é preciso. Faço esse caminho todos os dias.
- Faço questão.
Levou-a até a portão do singelo prédio.
- Obrigada por tudo.
- Foi um prazer conhecê-la.
Ela entrou. Ele esperou até quando julgasse estar fora do campo de visão dela para dar as costas. Morava muito longe dali, mas, por preferir incondicionalmente o pão que trazia às mãos, caminhava alguns quilômetros a mais. Acontece que ela, que já o havia seguido até muito mais longe, já sabia disso.
3 comentários:
eu já falei que gostei por causa da miscelânea hehe :D
muuuito bom, :*
muito bom mesmo, tava lendo outro post
Os grandes heróis nacionais, tais como o grande Duque de Caxias, são esquecidos, e bandidos como Lamarca, Marighela, Prestes, Olga Benário, Guevara, Fidel Castro, são exaltados.
¬¬
fiquei puto viu. meu esquerdismo ruge.
to chapadao, fo mal
(Levem seu título de eleitor ao DCE e garanta o passe livre)
Pão, huh? Sei...
P.S.: Excelente texto
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