Assisti Wall-E. O filme é bom, mas me assustou profundamente. Há meses não saía tão angustiado do cinema. É claro que a historinha cativa, os personagens são muito carismáticos e tudo mais; o que pode passar despercebido ao espectador é o aviso, que chega a ser sério demais. Outro dia me espantei: tinha saído no jornal on-line que já estava operando um barman robô
Ainda em relação ao filme, dois cenários são postos em oposição: uma nave-cidade com todo o conforto que se pode oferecer e uma Terra pós-apocalíptica consumida pelas toxinas do lixo ubíquo. O filme se passa no século XXIX, mas não me parece tão distante assim. Comentando o tópico, disseram-me algo: o futuro ideal dos sedentários com a tecnologia à mão não será alcançado pela humanidade, e, se chegar a acontecer, será péssimo. Ora, os personagens animados não parecem achar ruim enquanto, aparentemente, subordinam as máquinas à [ilusão de] sua vontade. De fato, não seria ruim. Quem não assistiu ao primeiro exemplar da trilogia Matrix? Lembram da traição que delatou Neo, Morpheu e os demais? Quem o fez, fê-lo porque não suportava mais a realidade em que vivia - era fria, em seus vários sentidos, e preferia trocá-la por uma realidade muito mais interessante: era um mundo similar ao em que vivemos, que o permitia saborear um pedaço de filé e ter um bom emprego. Qual a diferença entre um mundo e outro? Quase nenhuma. Os prazeres que sentimos, de comer a comer, são todos estímuulos aos sentidos que podem ser simulados, como experimentos mostram em ratos, se tivermos acesso ao hipotálamo e demais áreas e liberar correntes. Talvez a única distinção que possamos fazer é que no mundo de Morpheu (nome que, se remetido à origem, cai muito bem no caso), ele acha que está certo, e que aquelas são, efetivamente, as coisas em si; no mundo da Matrix, ninguém liga pra isso. (Várias analogias podem ser feitas a isso no contexto em que nós vivemos).
Será que vamos chegar a esse futuro? Não sei. O homem teme o desconhecido, e o homem racional, aquilo que ele não consegue estipular, prever, supor com base na razão. Temo o futuro: não há solidez que faça levar a uma resposta nítida. O desenvolvimento é levado a cabo até as últimas conseqüências pelo formato devorador do sistema atual, e poucos (ou não há) obstáculos para o avanço da ciência. A descoberta da energia nuclear - com pretensões, inicialmente, boas -, que levou à criação de duas bombas que assolaram o Japão e deram aos dois pólos do mundo na época uma ótima ameaça que manteve a humanidade em clima de guerra por décadas, ou seja, a desvirtuação da essência do seu uso, levou os físicos do mundo inteiro a recaírem numa crise ética. Os biogenéticos estão a um passo de vivenciar a própria: o progresso dessa ciência tem levado à descobertas inimagináveis como curas, clonagens e criação de superseres (que, pensa-se, seriam utilizados para coerção violenta) e subseres (que, pensa-se, seriam utilizados como escravos). A bioética surgiu, entre 1969 e 1970, com alguns autores, tendo a finalidade de propor modelos e análises que deveriam poupar os cientistas de ter de constantemente rever questões éticas à medida que progrediam e para criar uma uniformidade de âmbito universal. Os modelos que surgem e são propostos às ciências, como, em Capra, os modelos ecoéticos, talvez nos poupassem muita coisa. Talvez até nos poupasse das duas situações expostas no filme. Apenas talvez: os modelos são, tal qual o nome sugere, criações ideiais de como deveriam ser Se, e as conclusões são tomadas a partir daí. Nem todas as variáveis são ou podem ser levadas em consideração.
Pode ser tudo uma questão de mudança de paradigma e nós estamos bem no meio. O surgimento de pensamentos como o de Capra anunciam essa possibilidade. Voltando à questão dos nossos conhecidos de mais idade, alguns se acostumam, outros negam: há quem se recuse a utilizar um computador, não reconheça sua praticidade e leque de possibilidades. Esses são os que relutam
Mas e nós? Onde ficamos? No meio de tudo, com a ilusão de comandar máquina e vida, constância e mudança, exatamente no olho do furacão? Não consigo acreditar nisso. Só o que consigo ver no futuro é escuridão da incerteza e da iminente possibilidade da frutificação da semente de auto-destruição que a humanidade carrega em seu ventre. E será assim? Bem, daqui a alguns anos você pergunta de novo - (até lá, como alternativa possivelmente menos ruim, o leitor pode sonhar com o futuro preguiçoso no espaço exibido em Wall-E).
3 comentários:
Excelente reflexão Phil. Apesar de não ter assistido ao filme ainda, rotulado por alguns como infantil, é engraçado perceber o paradoxo que se estabelece, pois um filme que exige tamanha tecnologia para ser criado (com altos custos) tenta nos fazer refletir sobre o futuro de uma humanidade cada vez mais sedenta por inovações tecnológicas e conseqüentemente por consumo.Até que ponto o que vivemos é de fato “progresso” e o que isso acarretará,é uma questão pertinente.
Em suma, gostei muito do texto e despertou-me a vontade de ir conferir o filme. :)
Gostaria de observar que a fuga do sistema cartesiano não é necessariamente um avanço - a palavra 'mudança' ou 'transformação' representa melhor o que ocorre, deixemos as palavras 'avanço', 'superação' e 'progresso' para os positivistas (se ainda existirem).
Refletindo aqui, podemos ver como não confiamos na nossa própria raça, hehe. Esse paradigma ecológico vai encontrar eco nas atividades humanas? Acho que a resposta para essa pergunta pode ser decisiva para o futuro da humanidade. Talvez o ponto que nos livrará de termos um futuro como o de Wall-E seja esse, não sei.
Um paradigma surge quando um anterior não encontra mais efeito para sua função. É sempre como uma fênix: os modelos que levam ao conhecimento científico renascem nas próprias cinzas, na crise.
A humanidade não vai acabar com a terra, segundo penso. Nem com os recursos minerais. O homem se diverte com um suposto futuro apocalíptico, mas isso nunca vai ocorrer. Essa expectativa existe desde o futurismo, através do susto frente a essas novas invenções que desafiam nossos hábitos. A tecnologia se desenvolve para nos atender, e se nós temos medo de um futuro como o do filme, de que maneira acabaríamos como tal?
Essa foi uma reflexão suscitada pela postagem do meu caro amigo que, como sempre, escreve em um nível muito acima do esperado.
Cogito ergo sum...
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