quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Claustrofobia


Um dia, como de repente, deu-se conta de que tinha um campo de visão que abrangia 30 graus, assim estipulou. Pensou que, perante os trezentos e sessenta, poderia aumentar em 330º seu campo de visão, o que, ora, parecia, além de lógico, ótimo. Apenas em se questionar isso, notou ligeira diferença. Sorriu, meio sem acreditar. Assistindo o noticiário, duvidou de uma notícia que parecia absurda demais. Na manhã do dia seguinte, lembrou a si que não era preciso seguir o mesmo procedimento rotineiro: tomou café sem açúcar. Por que com açúcar? Não via resposta. Discordou dos procedimentos no trabalho – tudo aquilo poderia ser feito de outro modo. Ouviu um boato na hora do almoço e desacreditou. Quando notou significativo aumento da área ao alcance da vista, assimilou os fatos: era disso que falavam ao dizer “expandir os horizontes”; questionar o pré-estabelecido. E de fato via mais, e melhor – era conveniente trabalhar sem virar o rosto para olhar o relógio na parede um pouco à esquerda. Estava gostando. Chegou em casa, procurou aquele livro de contos enorme e velho, abriu-o e leu algo de Lucas: quem me prova que foi assim mesmo? A leitura proporcionou uma série de dúvidas, que procurou sanar nos livros. Passou a freqüentar bibliotecas, livrarias, sebos. Lia para ver que não era o único a duvidar, e como os outros faziam isso. A felicidade era iminente e os questionamentos, incontáveis. Devorou toda sorte de cultura... para vomitar tudo depois, mastigado e com aquele sabor acre. Aprendeu, ou melhor, quis aprender, mas se deparava cada vez mais com o desconhecido e o incerto. Lia mais, e terminava apreendendo mais interrogações. Haveria quem lhe dissesse ser a pergunta mais importante que a resposta; já tinha visão completa nessa altura, enxergando os 360 graus que desejava, o que está à frente e atrás, embora reconhecesse que frente e trás existissem unicamente com finalidades de facilitar a compreensão. Comparava o que antes via, clara diferenciação entre chão e horizonte, e agora, como se estivesse no centro de uma esfera; podia ver tudo, não era, porém, suficiente. Se visse mais, cria satisfazer às perguntas. Assim mergulhou e foi até onde não pôde. Sua visão transcendeu aos 360º, e passou a questionar a linha que separa seu chão e o horizonte; era tudo muito simples. A linha recuava a cada nova pergunta. Mas era tudo tão óbvio! Que se pode provar? Que se pode dizer? Novas dimensões, mais espaço – menos espaço ao seu redor. Tudo traria uma interrogação em sua semente, bastava achá-la e reduzir a coisa germinada a espaço vazio a ser tragado pelo que julgava ser um desconhecimento esclarecido, que é ser tragado a admitir o não-saber depois de buscar o saber. Assim, quase tudo foi engolido. Refém, numa ilha envolta por nada, da própria pretensão de liberdade; enclausurado pelo horizonte da dúvida expandindo ao infinito, prestes a engolir seu criador. Imprensado nas paredes – por sinal, muito sólidas – da incerteza, cometeu a ironia de perguntar se antigamente realmente via só os trinta graus que calculara.

Um comentário:

Kondlike disse...

Quando o abismo se volta para o sujeito todas as perguntas se abrem e a fé encontra seu fim. Gemmu Oobaa.