segunda-feira, 15 de outubro de 2007

"Felicidades...!"



A palavra "felicidade" é curiosa. Certa feita me pediram para escrever uma mensagem para uma recém-nascida num livro que ela só poderia ler quando alcançasse certa idade. "Não escreva nada que vá nos envergonhar", disseram os pais. Que seja.

Quiçá eu não seja assim tão espontâneo. Quiçá não desse certo para fazer repentes mesmo. Diferentemente de outras pessoas que escrevem o que lhes sai na cabeça e agradam a gregos e troianos, eu torço, aprimoro, alteio e limo até que saia o texto cristalino, e só consigo agradar a Agamenon ou Príamo. Mas tive que escrever. E escrevi. Fui simples e fui direto. "Desde o momento em que você nasceu, pequena das bochechas mais rosadas, torci por você - e o faço e o farei desde então. Voto por sua felicidade, e todos os fatores que sejam necessários para que ela exista". Pela escassez de linhas (por que nunca pensam que poderíamos querer escrever mais?), foi isso que consegui extrair da minha mente com aquela caneta da Padaria Do Seu Manoel e o urso Pooh me encarando.

Muitos cartões de nascimento, aniversário, 15 anos, formatura, dia das mães e morte têm como 'emblema', em letras garrafais, "Felicidades!". É frase clichê, e poucos se dão ao trabalho de deixar as coisas como estão e tecem intermináveis termos elogiosos que ninguém vai ler ou acreditar. Espere. Clichê? Expressões viram clichê por algum motivo. Ou são boas ou causam impacto. Quer algo mais sublime que ser feliz? Ora, não dizem que é para sermos felizes que vivemos? Quem em sã consciência trocaria real felicidade por qualquer outra coisa? O sincero desejo de felicidades ao próximo virou clichê. Era simples, fácil, bom e impactante. Conveniente. Bem moderno. Por causa disso, todos os "felicidades!" ao redor do mundo foram perdendo a força, e agora ninguém sabe mais o que isso é. No campo etimológico, a palavra italiana “felicità”, a palavra espanhola “felicidad” e a portuguesa “felicidade”, todas vêm do latim “felix” – afortunado – e “felicitas” – sorte, fortuna.Contudo, "se queres compreender a palavra 'felicidade', indispensável se torna entendê-la como recompensa e não como fim", disse Exupéry.

Somente desejei felicidades. Entreguei minha fortuna a alguém, querendo que fosse feliz, ou que chegasse o mais próximo disso. Não agradei àqueles pais da história - espero que não os tenha envergonhado. A mensagem anterior, por outro lado, foi muito mais convincente. Dizia que era protegida por orações e deus, que era linda e que a amava. Pois eu não impus valores. Não impus crenças, direita ou esquerda, trabalho, estilo de vida, meio, dinheiro, falta dele... Quis algo muito mais simples. Dei a liberdade para que ela escolhesse seu caminho e seus valores. Quis só que, dentro do que ela pediu para si mesma, conseguisse o que fosse necessário para estampar-lhe um sorriso na face - que, espero, conserve por algum tempo as lindas bochechas róseas; um sorriso sincero deve lhes cair muito bem.

Mas eu não consegui ser tão frio. Ainda zelo por minhas palavras. Palavras são fortes e belas. Como "felicidade".

("O maior problema e o único que nos deve preocupar é vivermos felizes", disse Voltaire, embora só me tivesse lembrado disso depois).

4 comentários:

Anônimo disse...

nada que eu escrevesse seria bom o bastante. além do mais, vc já deve saber o quanto eu gosto das suas palavras...

felicades, phil.

:)

Kriscieli disse...

" γραφις: utilizando uma frase clichê, mas sem querer sê-lo, isso significa muito pra mim
Kurishieri...: as frases cliches, muitas vezes, só são cliches pq tem realmente um sentido verdadeiro
Kurishieri...: o problema é qnd usa-as de má froma
Kurishieri...: *forma

..."

Com direito à erros("erros") gramaticais e-de-internet =)

E não canso de repetir, como é bom ver/ler o que você escreve.


Abraço, pai

Anônimo disse...

Impressionante como você me fez rever todo um sentido para a palavra "felicidade". Um sentido que até para mim mesma já havia caído em senso comum. A partir de hoje sempre que for usá-la tentarei ser o mais coerente possivel e usar da mesma singeleza e cuidado com que você fez. Obrigada pela aula de sinceridade e "felicidade".

Unknown disse...

Acabei de te dizer isso, mas é preciso sempre repetir que suas palavras caem como canções belíssimas aos meus ouvidos. Você não existe, Phil!

Beijos carinhosos, e, ainda mais, saudosos!