quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Da teoria da teoria política

A modernidade filosófica trouxe consigo a tripartição em Bem, Belo e Verdade daquilo que, no monismo cristão medieval, era tido como coisa una. Se a moral encarregou-se de tratar do Bem, e a Arte, do Belo, à Ciência coube trabalhar a verdade, muito embora estes três conceitos, em si, fossem estáticos, imutáveis. Para a Ciência especialmente, por ser nosso objeto de estudo, por vezes é necessária uma renovação – ou revisão – daquilo que antes era tido como verdade, e esse exercício filosófico de metaciência cabe à teoria. Assim sendo, a teoria política pode, antes de tudo, estabelecer as verdades sobre as quais se condicionará o fazer político. O policy-making de um país inclui, em seu ciclo, o encarregado propriamente da política, o intelectual nacionalmente consagrado e também a academia, que contribui com teorias e os conceitos que delas advêm; isto fica particularmente mais claro na elaboração da Política Externa.
Sendo possível a definição de premissas básicas por parte da teoria, que deveria carregar em si, a priori, a imparcialidade weberiana, é bem fato que, no nível pessoal de análise, as preferências do teórico serão refletidas na elaboração de sua teoria e, mais, a adoção desta por um grupo, grupos ou unanimemente implica também um processo valorativo inconsciente como aquele que pode ser visto na tendência de uma comunidade a acolher melhor teorias de fundamentos liberais – como nos Eua – ou marxistas – como em Cuba –, o que pode acontecer por interesses de grupos, continuidade da política interior de um Estado ou até mesmo aspectos culturais. Existe apenas, portanto, a pretensão da imparcialidade a acarretar conseqüências políticas por vezes impensadas pelo teórico ou pela própria comunidade. Se por vezes é possível vislumbrar o lado positivo de uma teoria, podem ficar obnubilados seus outros efeitos. A teoria do espaço vital (lebensraum) desenvolvida por Friedrich Ratzel dava à Alemanha de sua época a fundamentação teórica para lançar-se ao Imperialismo, sem conseguir vislumbrar, por outro lado, que viria isto, no futuro, a ser uma das causas da Primeira Guerra Mundial, que trouxe derrota e sanções para o país.
Se pode a teoria política justificar uma ação, pode também ela sugerir a ação. Nicolau Maquiavel, em sua obra “O Príncipe”, refletia sobre a realidade política de sua época e sugeria aos príncipes italianos modelos de manutenção do status quo e de boa governança, indicando melhores e piores alternativas para que a ação possa ser planejada. Entretanto, a teoria também pode se aventurar a expor os erros de uma ação passada, o que explica a força e a urgência com que as teorias são invocadas em tempos de crise. Planejar, justificar, sugerir ou corrigir uma ação, portanto, são tarefas cabíveis à teoria política frente ao aperfeiçoamento dos sistemas políticos. Para Karl Marx, em sua juventude, o mundo já havia sido estudado, estando as teorias, portanto, desenvolvidas, e caberia agora transformá-lo a partir delas; algumas correntes de pensamento mais atuais já colocam o oposto: o mundo deve transformar as teorias para que estas sirvam para o mundo. São acrescentadas, assim, à importância da teoria política, duas intensidades – ou visões – diferentes sobre o poder transformador desta. Considerando-se todos os fatores expostos, faz-se ímpar a procura pela adoção de uma teoria política para o mais planejado e meticuloso seguimento da política e estabilidade de uma região ou nação.
Vemos, contudo, que a teoria política não se projeta como salvação dos povos. Com efeito, a teoria por vezes se reconhece insuficiente. É nesta instância que se comete o equívoco de pensar em teorias políticas universais: se não há homogeneidade, não será possível estabelecer uma política que sirva igualmente a todos – fica evidente neste caso a idéia de valores e interesses por trás da adoção de uma teoria. A reflexão teórica deve partir, portanto, de realidades locais e similares para se chegar às ações de aperfeiçoamento efetivas. A mesma teoria funciona diferentemente em realidades distintas, para melhor ou certamente para pior, ao passo que teorias regionais competem mais eficazmente a tais locais. Além do critério espacial, a teoria política deve compreender um critério temporal: as mudanças de cenário – local, regional e internacional – passam a requerer medidas novas e mais cabíveis. Respeitados esses dois filtros, a teoria política torna-se mais capaz de fato, o que, em momento algum, implica a sua infalibilidade. A teoria não deixa de estar localizada num plano ideal, sendo uma positivação, necessária para o estudo, do ambiente real, naturalmente difuso. Levando-se em conta que a teoria pode ocultar efeitos colaterais indesejados e imprevistos, a teoria pode levar à frustração do ideal de sistema político. Em grande parte das vezes, o acolhimento de um modelo teórico para a resolução de um problema particular gera, em determinado espaço de tempo, outro problema. Para a resolução deste, pois, requer-se outra teoria, que provavelmente trará consigo conseqüências danosas não consideradas antes; este movimento segue-se indefinidamente, de modo a que uma teoria sempre trará em si a semente de outra. Minorará danos a comunidade que antevir as conseqüências negativas da teoria em vigor, logo a substituindo. Esse ciclo também reflete a necessidade constante de redefinição de verdades pela teoria.
Da mesma maneira em que teorias se sucedem, teorias também concorrem. A variabilidade de construções e entendimentos no e do plano teórico gera distintos níveis de análise, cada um deles possibilitando perspectivas de trabalho ao mesmo tempo para o mesmo tema. Assim sendo, é conferida ao objeto em questão uma multidimensionalidade que permite uma análise mais complexa e mais completa, podendo caminhar em direção a um entendimento holístico, ou, ao menos, mais abrangente. A concorrência de várias teorias no lugar da existência de um “monopólio teórico” também pode ser útil no sentido de viabilizar a escolha mais salutar à realidade do binômio momento-local.
De acordo com o visto, ainda que consideremos as hipóteses contrárias, mostrou-se que a teoria é indispensável para o bom desenvolvimento de sistemas políticos. É, porém, relevante ressaltar que, para tal, a ponderação torna-se indispensável; premissas básicas – ideal de liberdade ou eqüidade, por exemplo –, considerações espaciais e temporais, fins determinados e valores previamente adotados diferentes levarão a resultados diferentes, podendo ou não ser satisfatórios – na construção de sistemas políticos melhores.

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