quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Eu fui Anastácia Nikolaevna






Anastácia nasceu em 18 de junho 1901, filha de Alexandra Fyodorovna e Nicholas II, o famoso czar. O nome quer dizer “aquela que quebra correntes”, mas em 1917 o czar teve de abdicar de seu trono para que não fosse preso. Em 17 de julho de 1918, a polícia secreta bolchevique entra nos aposentos não-mais-reais onde se refugiavam, e, sem hesitação, dispararam contra Nicholas II, acertando-o na cabeça. Mataram logo depois Olga e Alexandra, e foram matando um a um, até terminar com uma servente, em quem bateram até a morte por ter tentado se defender com um travesseiro. Anastácia assistiu àquilo tudo calada, pois conseguira esconder-se. Foi considerada morta – mas fugiu. Não morrera ainda.
Junto com alguns que tentavam escapar do governo vermelho, fugiu para uma propriedade real bem escondida na Sibéria. Não podia morar sozinha, precisava de mantimentos. Ela convidou os que lhe acompanharam na viagem para morar consigo. A maioria foi, não tinha para onde ir. Chegaram somente em 1920. Sobrava muita fortuna naquela propriedade escondida dos olhos vermelhos, mas dinheiro não valia mais muita coisa. Todos trabalharam para a própria subsistência. Não lembro bem como conseguriam sobreviver a todos aqueles invernos rigorosos.
Desconsiderando as mortes por hipotermia ou mesmo fome, viveram relativamente bem. Mas 1922 começou com a chegada de um novo morador, um andarilho. Não demorou para que recebesse o abraço. Eu viria a descobrir depois que uma região vizinha havia sido tomada pelo Sabá e o viajante era um influente ancila que escapara. Estava faminto, matou muitos e outros morreram de sede na casa. Poupou Anastácia: vira futuro nela. Moça de boa formação, bela, cativante. Tinha promissora carreira no que viria a ser seu futuro clã.
A filha do czar estava injuriada. Não aceitava a condição de ter sido transformada em vampira; de perder a vida – ou de já tê-la perdido, de viver eternamente. Seu mestre saiu tão logo quanto pôde. Anastácia perdera o sentido de ser. Anastácia queria ser Anastácia mas não podia mais. Não tinha família, lembranças, felicidade ou sequer vida para sê-la. Admitiu-se morta.
Isolou-se durante anos na casa. Saía apenas para alimentar-se de sangue. Sibéria: lar dos presos políticos. Acorrentados, trabalhavam dia e noite. Ninguém ligava para a vida deles mesmo. Saía e me alimentava deles, os corpos cansados e suados ofereciam verdadeiros deleites. Quando um morria, ninguém notava. Era tão perfeito quanto necessário.
Em 1954 eu renasci, mesmo estando morta. Anastácia não é mais. Sou Anna Portnova. Durante 32 anos não fôra ninguém, apenas uma alma que lia e se alimentava. Neste ano eu voltei a pensar, e me pensei como sou. Ainda bela – mantive minha aparência de 21 anos humanos –, mas agora, antes disso, tenho consciência de mim. Tudo e todos estão ao meu redor para me servir, e o que sou é apenas para me satisfazer. Estava munida principalmente de consciência e saber, então escolhi crescer no meio social para aproveitar-me de suas vantagens. Força física é para aquele que não sabe pensar, além de não ser proveitoso.
Decidi, no mesmo ano, ir em busca do meu mestre. Ele deveria me pôr dentro do mundo vampírico. Procurava dinheiro, drogas, status, sexo - tudo o que pudesse comprar minha felicidade e prazer novamente. Mudei-me de volta para Moscou. Lá conheci pessoas que me arranjaram muito: um negócio com armas e contatos com vampiros. Através destes descobri que meu mestre se refugiara numa cidade norte-americana. Em 1959 mudei-me para Detroit.
Achar o ser que me tornou o que sou não foi difícil: tornara-se logo um influente político. Recebeu-me alegre – para os padrões de alguém que está morto, naturalmente. Ensinou-me muito sobre meu novo mundo. Adentrei no meio social vampírico com certa facilidade; possuía conhecimentos acadêmicos, jurídicos e políticos, além de ter meu mentor por me indicar. A essa altura já havia reunido minha fortuna novamente: contrabandeava armas russas e, por ter estudado espanhol, virara uma conceituada traficante de drogas. Com algumas noites de sexo – que descobri serem meras peças de chantagem para mim, agora que estou morta –, consegui comprar um jornal de médio porte. Assim podia lavar o dinheiro ilegal, investir em mim mesma e ter certa influência sobre a população humana.
Tendo contatos nos dois universos, flagrante status para uma neófita e influência – assim defino minha não-vida em ascensão, a não-vida de uma verdadeira Ventrue.

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