Assisti Wall-E. O filme é bom, mas me assustou profundamente. Há meses não saía tão angustiado do cinema. É claro que a historinha cativa, os personagens são muito carismáticos e tudo mais; o que pode passar despercebido ao espectador é o aviso, que chega a ser sério demais. Outro dia me espantei: tinha saído no jornal on-line que já estava operando um barman robô em Londres. Não pensávamos em nada assim 15 anos atrás, a não ser se saído de um filme de sci fi. E hoje funciona. Sempre reparo na juventude que caçoa dos mais velhos e apresenta uma postura pouco compreensiva com o nem sempre tão almejável relacionamento deles com os avanços que estão a nosso alcance; há sempre um avô que se surpreende com uma tela touchscreen, e sempre alguém que não consegue imaginar as possibilidades do wifi. Se pensarmos mais pra trás, alguém que nasceu na década de 1930 numa família humilde e num país periférico poderia mesmo chegar a imaginar as maravilhas dos computadores - e isso pensando só num âmbito doméstico. E a inteligência artificial e, supõe-se, sua capacidade de se auto-desenvolver?
Ainda em relação ao filme, dois cenários são postos em oposição: uma nave-cidade com todo o conforto que se pode oferecer e uma Terra pós-apocalíptica consumida pelas toxinas do lixo ubíquo. O filme se passa no século XXIX, mas não me parece tão distante assim. Comentando o tópico, disseram-me algo: o futuro ideal dos sedentários com a tecnologia à mão não será alcançado pela humanidade, e, se chegar a acontecer, será péssimo. Ora, os personagens animados não parecem achar ruim enquanto, aparentemente, subordinam as máquinas à [ilusão de] sua vontade. De fato, não seria ruim. Quem não assistiu ao primeiro exemplar da trilogia Matrix? Lembram da traição que delatou Neo, Morpheu e os demais? Quem o fez, fê-lo porque não suportava mais a realidade em que vivia - era fria, em seus vários sentidos, e preferia trocá-la por uma realidade muito mais interessante: era um mundo similar ao em que vivemos, que o permitia saborear um pedaço de filé e ter um bom emprego. Qual a diferença entre um mundo e outro? Quase nenhuma. Os prazeres que sentimos, de comer a comer, são todos estímuulos aos sentidos que podem ser simulados, como experimentos mostram em ratos, se tivermos acesso ao hipotálamo e demais áreas e liberar correntes. Talvez a única distinção que possamos fazer é que no mundo de Morpheu (nome que, se remetido à origem, cai muito bem no caso), ele acha que está certo, e que aquelas são, efetivamente, as coisas em si; no mundo da Matrix, ninguém liga pra isso. (Várias analogias podem ser feitas a isso no contexto em que nós vivemos).
Será que vamos chegar a esse futuro? Não sei. O homem teme o desconhecido, e o homem racional, aquilo que ele não consegue estipular, prever, supor com base na razão. Temo o futuro: não há solidez que faça levar a uma resposta nítida. O desenvolvimento é levado a cabo até as últimas conseqüências pelo formato devorador do sistema atual, e poucos (ou não há) obstáculos para o avanço da ciência. A descoberta da energia nuclear - com pretensões, inicialmente, boas -, que levou à criação de duas bombas que assolaram o Japão e deram aos dois pólos do mundo na época uma ótima ameaça que manteve a humanidade em clima de guerra por décadas, ou seja, a desvirtuação da essência do seu uso, levou os físicos do mundo inteiro a recaírem numa crise ética. Os biogenéticos estão a um passo de vivenciar a própria: o progresso dessa ciência tem levado à descobertas inimagináveis como curas, clonagens e criação de superseres (que, pensa-se, seriam utilizados para coerção violenta) e subseres (que, pensa-se, seriam utilizados como escravos). A bioética surgiu, entre 1969 e 1970, com alguns autores, tendo a finalidade de propor modelos e análises que deveriam poupar os cientistas de ter de constantemente rever questões éticas à medida que progrediam e para criar uma uniformidade de âmbito universal. Os modelos que surgem e são propostos às ciências, como, em Capra, os modelos ecoéticos, talvez nos poupassem muita coisa. Talvez até nos poupasse das duas situações expostas no filme. Apenas talvez: os modelos são, tal qual o nome sugere, criações ideiais de como deveriam ser Se, e as conclusões são tomadas a partir daí. Nem todas as variáveis são ou podem ser levadas em consideração.
Pode ser tudo uma questão de mudança de paradigma e nós estamos bem no meio. O surgimento de pensamentos como o de Capra anunciam essa possibilidade. Voltando à questão dos nossos conhecidos de mais idade, alguns se acostumam, outros negam: há quem se recuse a utilizar um computador, não reconheça sua praticidade e leque de possibilidades. Esses são os que relutam em aceitar. Numa época de mudança, isso é sempre bem claro: há os que vão sendo levados pela mudança, há os que pensam além e procuram, esquematizando, prever, e há os que defendem, com unhas, dentes e teclas, as posições que são tidas como retrógradas. Exemplo claro é o da Revolução Francesa, que comportava os sonhadores que viam naquele princípio de mudança a possibilidade de idealização de modelos perfeitos, os revolucionários, que acompanhavam, com as armas, as mudanças, e os que, ferrenhamente, defendiam os valores e paradigmas feudais. E esses permaneceram por um bom tempo - não me surpreenderia encontrar relações quase feudais de trabalho ainda hoje. Nós somos a geração que acompanha o progresso, que interage com as máquinas maestralmente e que não entende os que não o fazem. A mudança de paradigma por que passa a ciência, a fuga do sistema newtoniano-cartesiano, representa, talvez, um avanço. Vai depender do que está por vir.
Mas e nós? Onde ficamos? No meio de tudo, com a ilusão de comandar máquina e vida, constância e mudança, exatamente no olho do furacão? Não consigo acreditar nisso. Só o que consigo ver no futuro é escuridão da incerteza e da iminente possibilidade da frutificação da semente de auto-destruição que a humanidade carrega em seu ventre. E será assim? Bem, daqui a alguns anos você pergunta de novo - (até lá, como alternativa possivelmente menos ruim, o leitor pode sonhar com o futuro preguiçoso no espaço exibido em Wall-E).