quarta-feira, 29 de abril de 2009

Humor negro

- Atchim! - alguém espirra no meio de uma multidão que pretendia cruzar a rua.
- Saúde! - outro alguém grita.
- Suína?! - brada um terceiro.
Todos correram. Até hoje não sei se faziam parte da brincadeira ou não.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Contramão


Capital, cidade planejada. Planejada - e sem esquinas. Objetiva, certa, precisa. Toda a lei positiva exposta no concreto. E ainda sem esquinas. Ruim para o pedestre. Pior para o cara que ganha a vida dando um pouco de felicidade aos que saem desmotivados de seus trabalhos e encontram o sentido de suas vidas em um gole ou dois de uma loira gelada e em uma unidade ou duas do famigerado 'espetinho'. Como haveria de viver ele, que depende de esquinas para deixar o nomadismo, se esquinas estão proibidas? Fazendo bom uso da tão dita criatividade brasileira invocada [apenas] em situações difíceis, eis que inexoravelmente surge a figura do espetinho da curva, com suas instalações em frente a um girador ou balão. Não está previsto, mas acontece. E os freqüentadores, representantes de seus respectivos segmentos sociais, sancionam a idéia. Segura essa, Lúcio Costa.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Pós-venda

Parou numa barraca no mercado de importados do centro da cidade.
- Quanto que tá o celular?
- Ó, malandro, esse aqui tem TV e mp-10. Tá 700.
- 700? Só dou 400.
- 400? Ahhh, moleque... Mas aí vai ter que ser sem pós-venda.
- Qué que cê quer dizer com pós-venda?
- Que depois que eu vender eu não sou mais teu vendedor.
- Na hora, mermão. Toma.
- Valeu.
- Agora eu não sou mais teu vendedor, né?
- Foi o que cê falou.
- Então agora eu sou teu assaltante, porra! Passa a merda do celular!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Sósia

- E aí, rapaz, quanto tempo!
- Como cê tá?
- Bem, bem. Olha só, vi um cara igualzinho a tu ontem.
- Foi?
- Tão igual que até confundi.
- Toda vez que alguém chega "vi alguém parecido contigo" e eu vou atrás descubro que é um careca, um cara sem perna... Vai te lascar!
- Não, velho, eu te conheço faz tempo, não ia fazer isso contigo.
- Sei não. Vai, diz aí, como ele era?
- Bem, tinha o cabelo castanho, né, mais ou menos que nem o teu.
- Tinha os dois olhos ao menos?
- Tinha, tinha. Tou dizendo, era a tua cara.
- Quê mais?
- Quando o vi ele tava com uma camiseta vermelha, eu sei que você tem um bocado delas...
- Ele tinha os dentes?
- Ahm, quase todos.
- Tu tá de sacanagem, velho!
- Não, mas eram quase todos, assim, que nem os teus, meio tortos, saca?
- Onde cê viu esse sujeito?
- Tava perto daquela boate, barzinho, sei lá, que tu freqüenta.
- Sei. Fazendo o quê?
- Acho que tava dormindo.
- Como assim, dormindo?
- No chão, ué, dormindo; dormindo.
- Vai te lascar! Cê me confundiu com um mendigo?!
- Mas era igualzinho! Só um pouco mais velho...
- Claro que não!
- Tá, era muito parecido.
- Não.
- Lembrava.
- Lembrava o quê, homem?
- Que nem tu, ele era meio agressivo, quase batia em mim, e também usa tua frase registrada.
- Que frase?
- "Vai te lascar".
- Ah, vai te lascar.
- Tá vendo?
- Como você sabe tanto desse cara?
- Falando com ele.
- E você falou como?
- Ele parecia estar descansando, aí eu cheguei por trás, dei uns bons tapões nas costas dele e falei: "Noitada, hein, Bilolinha?".

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Moedinhas



Algumas pessoas que me conhecem meio de longe costumam me chamar de Moedinha. Ganhei o apelido quando tive a oportunidade de assistir um vídeo que mudou minha vida. Ele chamava atenção para tudo que me impedia de progredir nesse mundo e que estava ali, na minha frente, esperando para ser visto. Hoje eu trabalho no caixa de uma enorme rede de supermercados. Esta é minha primeira nota antes de ficar rico e famoso; faço-a como um lembrete de todos os meus passos, para que as gerações futuras tenham no que se inspirar.
O vídeo que eu assisti falava sobre a importância das moedas. Porque guardá-las, porque não as guardar por tempo demais. Como a moeda é importante no dia-a-dia das pessoas. Distribuíram também um planfeto falando sobre os custos de produção de moeda que me arregalou os olhos.



Um centavo custava 9 centavos? Cinco centavos custavam 12? Tinha algum erro de cálculo sim. E essas moedas circulavam. Trabalhando no comércio, já vi de 1 centavo circulando por aí. Comecei a trabalhar e fui percebendo que as lojas, especialmente o supermercado onde eu trabalhava, sempre fazia anúncios de promoções que terminavam com 99, e às vezes, 95 centavos. Os clientes compravam muita coisa e nem reparavam na nota da feira. Tomavam 5,99 por 6,00. Eu também já acreditei nisso. Os clientes não fazem questão desse 1 centavo; esse dinheiro também não é da loja, não consta no preço. Preferi achar que cada centavo adquirido desse modo era uma bonificação pelo meu trabalho. De fato, fui eleito funcionário do mês desde que comecei a trabalhar aqui. Minha teoria funcionava bem. Os clientes não ligavam se eu fechava a conta com os centavos arrendondados para mais; se eu dizia não ter troco. Só queriam sair dali e entupir as artérias. Eu pensava mais à frente. Nas transações a cartão, para "simplificar", eu também arredondava o cálculo. Um centavo pode não parecer muito; mas 10 centavos já compram um chiclete. A cada 100 transações eu tenho um real. Mil transações, 10 reais. A dedução é lógica: a cada cem mil vendas, mil reais voltavam para mim!

Comecei a juntar meu dinheiro, e passei a perceber o quanto eu deixava de economizar com centavos nas compras que eu fazia. A solução não tardou a vir: andava com moedas de todos os tamanhos nos bolsos, o tilintar suave de cada uma delas me fazia reconhecer o valor e o ano. Tornou-se, de longe, minha marca registrada. E já estava juntando valores que superavam meu salário em muitas vezes.

Promovi essas mudanças significativas na minha vida. Aos poucos, vou juntando. Quando obtiver meu primeiro milhão, vou chamar a imprensa e sair no Jornal Nacional. O Banco Central vai ligar querendo me contratar. Mas isso é o de menos. Meu grande plano começa aqui. Como ficarei nacionalmente conhecido, serei chamado para dar palestras em bancos, demais empresas, encontros, seminários, congressos. Exporei minha idéia inovadora e virarei fenômeno, provavelmente "o Imperador das Moedas", decerto como a mídia sensasionalista haverá de me chamar. Em seguida, escreverei um livro, cujo título já até escolhi: "Lidando Com Um Trilhão De Moedas". Eu vou aparecer na capa sentado num trono de moedas. O livro virará best-seller internacional e rapidamente receberei convites para palestras internacionais.

A essa altura, já terei juntado alguns bons milhões. Eu, então, fundarei uma empresa realmente grande. Todos os produtos que ela oferecer poderão ser adquiridos pela bagatela de um valor dois centavos abaixo de toda a concorrência. R$10,98, R$20,98, R$100,98... Será lucro dobrado. Aí é que eu vou ser rico de fato.