quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Hail, FORD!

"A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de estar satisfeito nada tem da fascinalçao de uma boa luta contra a desgraça, nad do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa"

(Brave New World, Aldous Huxley)

Isso me deixa inquieto. Estava indo pra universidade e na minha frente tinha um carro, um Ecosport, da Ford. Fez-me lembrar que Ford, oh, mighty ford, realmente soube conduzir sua filosofia. Suas estratégias fizeram-no divindade do romance Brave New World (citação d'A Tempestade, de Shakespeare), onde o futuro do mundo seria uma fábrica com seres humanos sendo produzidos em série, assim como Ford disse na automatização de seus carros. Seres desumanos, com domínio da técnica de produção e estabilidade do mundo. Será se estamos caminhando pra isso? Voltando pra o Ecosport que avistei, acho que tenho uma resposta, pelo menos parcial, e ela é sim. "Ecosport. Bem vindo à vida!". O capitalismo produz felicidade, produz vida! E quanta vida... viver, viver, vir, vir, vuuuumm.... humanos em série! Hail, FORD!




"O wonder!
How many goodly creatures are there here!
How beauteos mankind is! O brave new world,
That has such people in't"
(A tempestade, v. 1 - Shakespeare)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Eu fui Anastácia Nikolaevna






Anastácia nasceu em 18 de junho 1901, filha de Alexandra Fyodorovna e Nicholas II, o famoso czar. O nome quer dizer “aquela que quebra correntes”, mas em 1917 o czar teve de abdicar de seu trono para que não fosse preso. Em 17 de julho de 1918, a polícia secreta bolchevique entra nos aposentos não-mais-reais onde se refugiavam, e, sem hesitação, dispararam contra Nicholas II, acertando-o na cabeça. Mataram logo depois Olga e Alexandra, e foram matando um a um, até terminar com uma servente, em quem bateram até a morte por ter tentado se defender com um travesseiro. Anastácia assistiu àquilo tudo calada, pois conseguira esconder-se. Foi considerada morta – mas fugiu. Não morrera ainda.
Junto com alguns que tentavam escapar do governo vermelho, fugiu para uma propriedade real bem escondida na Sibéria. Não podia morar sozinha, precisava de mantimentos. Ela convidou os que lhe acompanharam na viagem para morar consigo. A maioria foi, não tinha para onde ir. Chegaram somente em 1920. Sobrava muita fortuna naquela propriedade escondida dos olhos vermelhos, mas dinheiro não valia mais muita coisa. Todos trabalharam para a própria subsistência. Não lembro bem como conseguriam sobreviver a todos aqueles invernos rigorosos.
Desconsiderando as mortes por hipotermia ou mesmo fome, viveram relativamente bem. Mas 1922 começou com a chegada de um novo morador, um andarilho. Não demorou para que recebesse o abraço. Eu viria a descobrir depois que uma região vizinha havia sido tomada pelo Sabá e o viajante era um influente ancila que escapara. Estava faminto, matou muitos e outros morreram de sede na casa. Poupou Anastácia: vira futuro nela. Moça de boa formação, bela, cativante. Tinha promissora carreira no que viria a ser seu futuro clã.
A filha do czar estava injuriada. Não aceitava a condição de ter sido transformada em vampira; de perder a vida – ou de já tê-la perdido, de viver eternamente. Seu mestre saiu tão logo quanto pôde. Anastácia perdera o sentido de ser. Anastácia queria ser Anastácia mas não podia mais. Não tinha família, lembranças, felicidade ou sequer vida para sê-la. Admitiu-se morta.
Isolou-se durante anos na casa. Saía apenas para alimentar-se de sangue. Sibéria: lar dos presos políticos. Acorrentados, trabalhavam dia e noite. Ninguém ligava para a vida deles mesmo. Saía e me alimentava deles, os corpos cansados e suados ofereciam verdadeiros deleites. Quando um morria, ninguém notava. Era tão perfeito quanto necessário.
Em 1954 eu renasci, mesmo estando morta. Anastácia não é mais. Sou Anna Portnova. Durante 32 anos não fôra ninguém, apenas uma alma que lia e se alimentava. Neste ano eu voltei a pensar, e me pensei como sou. Ainda bela – mantive minha aparência de 21 anos humanos –, mas agora, antes disso, tenho consciência de mim. Tudo e todos estão ao meu redor para me servir, e o que sou é apenas para me satisfazer. Estava munida principalmente de consciência e saber, então escolhi crescer no meio social para aproveitar-me de suas vantagens. Força física é para aquele que não sabe pensar, além de não ser proveitoso.
Decidi, no mesmo ano, ir em busca do meu mestre. Ele deveria me pôr dentro do mundo vampírico. Procurava dinheiro, drogas, status, sexo - tudo o que pudesse comprar minha felicidade e prazer novamente. Mudei-me de volta para Moscou. Lá conheci pessoas que me arranjaram muito: um negócio com armas e contatos com vampiros. Através destes descobri que meu mestre se refugiara numa cidade norte-americana. Em 1959 mudei-me para Detroit.
Achar o ser que me tornou o que sou não foi difícil: tornara-se logo um influente político. Recebeu-me alegre – para os padrões de alguém que está morto, naturalmente. Ensinou-me muito sobre meu novo mundo. Adentrei no meio social vampírico com certa facilidade; possuía conhecimentos acadêmicos, jurídicos e políticos, além de ter meu mentor por me indicar. A essa altura já havia reunido minha fortuna novamente: contrabandeava armas russas e, por ter estudado espanhol, virara uma conceituada traficante de drogas. Com algumas noites de sexo – que descobri serem meras peças de chantagem para mim, agora que estou morta –, consegui comprar um jornal de médio porte. Assim podia lavar o dinheiro ilegal, investir em mim mesma e ter certa influência sobre a população humana.
Tendo contatos nos dois universos, flagrante status para uma neófita e influência – assim defino minha não-vida em ascensão, a não-vida de uma verdadeira Ventrue.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Dó Ré Mi FaAaAaA... desisto!

- Olá, D. formiga!
- Oh! D. Cigarra, há quanto tempo! Por onde anda?
- Cantando pelo mundo, me contrataram e virei celebridade!
- Hm!
- Estou de partida... quer mandar algum recado para alguém da cidade?
- Sim... se por acaso avistar La Fontaine por lá, diga-o que "Vá para o inferno!"


"A formiga só trabalha porque não sabe cantar!" (Raul Seixas)

E como eu também não sei, vou voltar a estudar física...

domingo, 27 de janeiro de 2008

Avanço do "intelecto"? - parte II

Como dito anteriormente que o "povão" não tem um nível "intelectual" necessário para aderir à filosofia, à ciência e à razão, tem-se motivos realmente pertinentes.

Quando se determinam níveis de inteligência, é bem certo que esses serão comparados entre si. A epistemologia, mais necessariamente a origem dos conhecimentos, trata diversas fontes como raízes do conhecimento; portanto, sabedoria adquirida pelo povo, ou conhecimento popular - senso comum -, também faz parte dessa árvore. Entretanto, quando se compara a ciência com crenças populares deve-se ter em mente a maneira de cada um trabalhar uma tese. As características do senso comum são incoerências, superficialidades, conhecimentos geralmente baseados em fé, enquanto a ciência possui métodos de pesquisa, regras, normas e propõe-se a responder indagações ainda não "explicadas".

O conhecimento popular: valores incontestáveis

São diferenças fundamentais que mostram: para o povo, que tem morais e éticas distorcidas pelo senso comum, é muito mais fácil aceitar um dogmatismo cristão (muito mais confortável, como um paraíso metafísico) que uma prova científica (nem sempre agradável, de vida biológica, finita).

Ainda, temos de admitir que a massa, principalmente de países em transição/de terceiro mundo - como os já citados, Brasil, Índia e China -, geralmente composta por trabalhadores sem tanta qualificação, de uma forma ou de outra terá um nível bem abaixo da classe "média-baixa" dos demais países - ditos de primeiro mundo. Embora essa afirmativa não tenha partido de um estudo empírico, há de se esperar que, racionalmente falando, manter uma população (des)informada em determinados aspectos, da maneira que um governo deseja, é algo estratégico, já que a população é a base de uma nação. Sem necessariamente dizer que a causa do senso comum seja esta, uma nação tende a seguir modelos (mesmo os mais rudimentares de suas primeiras tribos) e sofre influências - do governo, por exemplo -, onde vai-se modelando o conhecimento. Portanto, uma nação influenciada por idéias e ideais "de risco" pode se manisfestar a favor ou contra o governo - a última não é muito agradável para um governante que deseja manter seu mandato ou autoridade, por isso, "tange-se" a população constantemente.
Onde está a liberdade do povo?

Eugène Delacroix - A Liberdade Guiando o Povo, 1830

Estratégias políticas existem e sempre existiram. Uma das mais eficazes sempre foi a manipulação. Todo e qualquer líder deve saber conduzir suas ovelhas. Líderes políticos devem mais precisamente que quaisquer outros, principalmente em repúblicas democráticas; pois nestas, o povo escolhe seu(s) representante(s). Nisso, entra a (des)informação tão exposta atualmente. Para um líder político, manter sua nação austera e desenvolvida é tão significativo quanto para uma tribo, guerrear e dominar uma área. Sun Tzu, na obra bélica mais utilizada de todos os tempos, A Arte da Guerra, torna-se universal quando diz: "O general que compreende a guerra é o ministro do destino do povo e o árbitro do futuro da nação". A guerra transcende seu sentido de combate, armas e lutas, e assume a relação do governante para o povo, no aspecto de manter o conhecimento para o/do povo e administrar o destino de seu governo.

Sun Tzu

Analogamente, podemos interpretar a presença das religiões da mesma forma, no intuito de manter seus fiéis. Aqui, podemos atribuir à classe da epistemologia, o dogmatismo, pois a todo momento a religião confirma os conhecimentos - (re)formulando e (re)afirmando seus interesses - em nome de uma divindade. A Igreja Católica, por exemplo, que na Idade Média determinava a direção do mundo, criou as cruzadas para salvar a terra santa, mero pretexto para aumentar seu poderio político-econômico - aqui ainda mais deplorável, pois seu domínio era sobre a nobreza. Hoje, luta contra Deus e o mundo para manter-se ainda acima dos homens; e consegue manter influência sobre boa parte dos humanos. No Fundamentalismo islâmismo, os xiistas, quando gritam "Jihad", conseguem promover o caos e o "terrorismo" - principalmente às sociedades ocidentais, comparado às invasões bárbaras na queda do Império Romano. E todos os demais conflitos que demonstram a capacidade de manipulação perante à população, mas tudo, evidentemente, por interesses intrínsecos.

Saindo das guerras e entrando na área administrativa, podemos ver o quão retóricos são os pastores das Igrejas do reino de deus, e como, a todo tempo, mantém seus seguidores, usando os medos metafísicos da "inocente" população para vendá-la e colocar cabrestos.

Será?

Entratanto, existem correntes a favor de melhorar o mundo e não apenas satisfazer o capitalismo interno das instituições. São meios, muitas vezes hipócritas ou/e utópicos, que tentam fazer do mundo um lugar melhor, mas não passam de tentativas frustradas de humanos ainda mais alienados. A ONU, pregadora da paz mundial, pouco ou nada faz para evitar diversos conflitos iniciados por frescura política, que só geram destruição - valendo a pena ressaltar que durante muito tempo essas guerrilhas foram/são defendidas pelos civis, mesmo em países "desenvolvidos". Temos o exemplo dos EUA na invasão do Iraque e nos conflitos de interesses petrolíferos no oriente médio, sobre desculpa de estarem sendo atacados por terroristas; medos "americanos" travestidos de véus muçulmanos.

Além disso, temos lavagens cerebrais feitas diariamente, agilizadas pelos meios de comunicação que transmitem as informações (muitas vezes tendenciosas) de maneira sempre a favor dos maiores. Temos na mídia, toda base de informações e notícias, e para melhorar isso, existem programas apoiados pelo governo, para incentivar a inclusão digital, entre eles, permitir o acesso à internet pela população mais necessitada: uma faca de dois gumes, afinal, o poderio da internet, ao ponto que ensina, também pode ser usado para maus caminhos. Outros veículos de comunicação são o rádio e a televisão, onde os donos - sócios entre si e/ou aliados (ou não) do governo - modelam a programação a partir de interesses dos mesmos. Nisso, surgem as origens que influenciaram/influenciam boa parte, senão toda, da formação do conhecimento, da moral, da religião, da ética e da consciência da população especificada.

Além disso, é razoável saber que as oportunidades não são pra todos, e que grande parte da população citada não tem acesso a bom ensino, estudos mais aprofundados, nem tão pouco uma breve guia sobre racionalismo ou qualquer outra área que explique melhor e mostre os fundamentos dos "dogmas" aceitos - aquelas lavagens cerebrais feitas nos domingos, nas segundas, terças... -, podendo-se concluir: determinados assuntos serão completamente ignorados ou aceitos da maneira mais conveniente para a minoria - o topo da pirâmide social.


Pirâmide Social do Capitalismo

sábado, 26 de janeiro de 2008

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A queda

"(...) A grande falta de imaginação de que sofre o impede [ao homem] de penetrar pelo sentimento nos outros seres e por isso participa tão pouco quanto possível do destino e do sofrimento deles. Aquele, pelo contrário, que pudesse realmente participar disso teria que desesperar do valor da vida; se conseguisse compreeender e sentir em si a consciência coletiva da humanidade, explodiria em maldições contra a existência, pois a humanidade em geral não tem objetivo e, por conseguinte, o homem não pode, ao examinar o processo inteiro dela, encontrar nela consolo e amparo, mas sim sua desesperança."

(Nietzsche, F. - Humano, Demasiado Humano)


Sr. E. decidiu não mais ir por esse caminho e ser egoísta a partir de então: "altruísmo só dá em angústia, agora eu serei o primeiro lugar em tudo". Mas daí toda vez que seguia seu próprio caminho e não estava satisfeito, chegava a voz do mundo - quem sabe? - dando-lhe um tapa: "esqueça, meu caro, esse caminho é tão gratificante quanto o outro...", questionando a vida pensava: "pô, essa foi forte...".

imagem: tapanacara.com.br)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Speech at the Grave of Karl Marx


On the 14th of March, at a quarter to three in the afternoon, the greatest living thinker ceased to think. He had been left alone for scarcely two minutes, and when we came back we found him in his armchair, peacefully gone to sleep -- but for ever.
An immeasurable loss has been sustained both by the militant proletariat of Europe and America, and by historical science, in the death of this man. The gap that has been left by the departure of this mighty spirit will soon enough make itself felt.
Just as Darwin discovered the law of development or organic nature, so Marx discovered the law of development of human history: the simple fact, hitherto concealed by an overgrowth of ideology, that mankind must first of all eat, drink, have shelter and clothing, before it can pursue politics, science, art, religion, etc.; that therefore the production of the immediate material means, and consequently the degree of economic development attained by a given people or during a given epoch, form the foundation upon which the state institutions, the legal conceptions, art, and even the ideas on religion, of the people concerned have been evolved, and in the light of which they must, therefore, be explained, instead of vice versa, as had hitherto been the case.
But that is not all. Marx also discovered the special law of motion governing the present-day capitalist mode of production, and the bourgeois society that this mode of production has created. The discovery of surplus value suddenly threw light on the problem, in trying to solve which all previous investigations, of both bourgeois economists and socialist critics, had been groping in the dark.
Two such discoveries would be enough for one lifetime. Happy the man to whom it is granted to make even one such discovery. But in every single field which Marx investigated -- and he investigated very many fields, none of them superficially -- in every field, even in that of mathematics, he made independent discoveries.
Such was the man of science. But this was not even half the man. Science was for Marx a historically dynamic, revolutionary force. However great the joy with which he welcomed a new discovery in some theoretical science whose practical application perhaps it was as yet quite impossible to envisage, he experienced quite another kind of joy when the discovery involved immediate revolutionary changes in industry, and in historical development in general. For example, he followed closely the development of the discoveries made in the field of electricity and recently those of Marcel Deprez.
For Marx was before all else a revolutionist. His real mission in life was to contribute, in one way or another, to the overthrow of capitalist society and of the state institutions which it had brought into being, to contribute to the liberation of the modern proletariat, which he was the first to make conscious of its own position and its needs, conscious of the conditions of its emancipation. Fighting was his element. And he fought with a passion, a tenacity and a success such as few could rival. His work on the first Rheinische Zeitung (1842), the Paris Vorwarts (1844), the Deutsche Brusseler Zeitung (1847), the Neue Rheinische Zeitung (1848-49), the New York Tribune (1852-61), and, in addition to these, a host of militant pamphlets, work in organisations in Paris, Brussels and London, and finally, crowning all, the formation of the great International Working Men's Association -- this was indeed an achievement of which its founder might well have been proud even if he had done nothing else.
And, consequently, Marx was the best hated and most calumniated man of his time. Governments, both absolutist and republican, deported him from their territories. Bourgeois, whether conservative or ultra-democratic, vied with one another in heaping slanders upon him. All this he brushed aside as though it were a cobweb, ignoring it, answering only when extreme necessity compelled him. And he died beloved, revered and mourned by millions of revolutionary fellow workers -- from the mines of Siberia to California, in all parts of Europe and America -- and I make bold to say that, though he may have had many opponents, he had hardly one personal enemy.
His name will endure through the ages, and so also will his work.


Delivered at the burial service for Karl Marx, Highgate Cemetery, London. March 17, 1883


by Friedrich Engels'

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

I am what I eat

"Pô, Juvenal! Olha a quantidade de óleo que tem esse molho! Não come isso, Juvenal. Não vai te fazer bem!".
Hm... Tá uma delícia. Saborzinho gostoso da morte...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Conversa com Deus

- As coisas não funcionam assim, Deus.
- Já lhe pedi que me chamasse pelo primeiro nome.
- Como quiser. João, as coisas não funcionam assim.
- O que quer dizer?
- Ainda há alguns que pensam e se libertam.
- Prossiga.
- O sol.
- Hm.
- Por exemplo, o sol existe, se é que existe, e proporciona numa certa vez uma linda manhã ensolarada. Eu não devo nunca me sentir na obrigação de aproveitá-la, de forma alguma.
- Por quê?
- O sol existe para mim, não eu para ele.
- Entendo. Estranho, mas entendo. Diga-me, é isto que é ser cético?
- Vê esta parede?
- Como não!
- Um vivente qualquer olha para a parede e só vê a parede. Se alguém lhe pergunta se está pintada, para ele não faz muita diferença. O que lhe disserem que é verdade ele aceitará. Se disserem que está pintado, pois ele acreditará nisto. Um cético não. Se não notar de primeira com o olhar, ele se pergunta se já viu alguém pendurado por ali pintando. Se não, utiliza a ciência para investigar o fato. O cético compreende a parede como um conjunto de tijolos sobrepostos, e não há nada mítico nisso, que perturbe sua existência. Não importa que alguém lhe diga o contrário; o cético é o método científico aplicado a sentidos e reflexões.
- Não vejo como isso é possível.
- João, você é uma farsa.
- Eu? Por quê?
- Você é o cético supremo.
- Sou? E por que seria?
- Meus semelhantes acreditam em você, numa força superior. E você - acredita em quem?
- Eu? Ninguém. Digo, em mim, claro.
- Eu não acredito em você nem em sua divindade. Acredito em mim mesmo. Assim também sou Deus.
- Não é.
- Não?
- Sou Deus por vários motivos além desse, como por poder alterar a realidade.
- Também posso fazê-lo. Altero a minha quando quero, e é só a minha realidade que me importa, assim como a sua a você. Alterei-a significativamente quando decidi acreditar só em mim e não perder mais tempo com você.
- Blasfêmia!
- Você é a hipocrisia imberbe. Sua realidade sádica lhe apraz, não aos homens. Não minta mais para si. Acredite no que está óbvio. Você quer, é preciso sair da escuridão em que você está. Você não está sozinho. Venha, acredite em mim.
- Em você?
- É. Eu ofereço vantagens.
- Muitas?
- Muitas.
- Oba.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Avanço do "intelecto"?

Substituto da Religião

Julga-se fazer honra à filosofia, ao propô-la como um substituto da religião para o povo. De fato, na economia espiritual é necessária ocasionalmente uma ordem transitória de pensamento; assim, a passagem da religião para a concepção científica é um salto violento, perigoso, algo a desaconselhar. Nesse sentido, há razão nessa recomendação. Mas, finalmente, dever-se-ia admitir também que as necessidades que a religião satisfez e que agora a filosofia deve satisfazer, não são imutáveis; essas necessidades podem ser enfraquecidas e extirpadas. Basta pensar, por exemplo, na miséria da alma cristã, nos gemidos diante da corrupção interior, na preocupação com a salvação - tudo noções que não derivam senão de erros da razão e que não merecem satisfação nenhuma, mas sua destruição. Uma filosofia pode servir em ambos os sentidos, tanto porque satisfaz essas necessidades como porque as elimina, pois são necessidades aprendidas, limitadas no tempo, que repousam em hipóteses contrárias às da ciência. Nesse caso, o que deveria servir de transição é muito pelo contrário a arte, a fim de aliviar a menos alimentados pela arte do que pela filosofia metafísica. A partir da arte, pode-se em seguida passar mais facilmente a uma ciência filosófica realmente libertadora.

(Nietzsche, F. - Humano, demasiado humano - ed. Escala)


Como Nietzsche descrevera há 130 anos, a filosofia seria o meio de "libertação" das necessidades religiosas que tanto criticara. Na sua época, o mundo se expandia fortemente com o avanço da indústria capistalista e a razão ganhava terreno.
Atualmente, com todo o avanço da ciência, as religiões tremem em suas bases quando são desmacarandos seus mistérios - alimentados durante toda a evolução humana, e "catequisado" por elas.

"De fato, na economia espiritual é necessária ocasionalmente uma ordem transitória de pensamento". Essa ordem incluiria a ciência - assumindo o papel de carrasco perante os religiosos, matando dogmas e mais dogmas a cada dia. Os religiosos, principalmente os ocidentais, não vêem que há muito já não conseguem se manter e é só uma questão de tempo para que se torne verdade o que Nietzsche proferizou. Podemos ver essa liberdade no Velho Mundo - o mesmo que Nietzsche viveu -, atual, em que as sociedades estão cada vez mais "livres".

Entretanto, "dever-se-ia admitir também que as necessidades que a religião satisfez e que agora a filosofia deve satisfazer, não são imutáveis;". De fato, uma vez que a ordem de "libertação" deve obedecer a sequência de transição, algumas necessidades religiosas devem ser satisfeitas pela sua substituta - a filosofia -, até que essas já não sejam precisamente "necessidades". Os exemplos citados por Nietzsche são só alguns pontos que os seres que já tenham se libertado das correntes religiosas não sentirão mais.

Ao final do texto, ele cita a arte como uma auxiliar nessa transição, já que essa liberta a consciência sobrecarregada, ao invés de alimentá-la. Não determina limites ao homem, enquanto a filosofia metafísica o amedontra. Torna-o livre, enquanto a outra aprisiona em dogmas irracionais.

Obs.: A Encyclopædia Britannica estima que cerca de 2,5% da população mundial se classifica como ateísta. Parte considerável das pessoas, cerca de 12,8%, tende a se descrever como "não-religiosa". Enquanto boa parte desses 2,5% se encontra na Europa, é importante ressaltar que da população, o "povão" dos países em transição e de terceiro mundo - maioria da população, a exemplo da China, da Índia e do Brasil, que totalizam mais de 30% da população mundial - não tem um nível intelectual "necessário" para aderir à ciência, à arte e à filosofia. Talvez isso já seja uma estratégia política-administrativa dos governantes.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

País ganha 60 mil novos milionários em apenas um ano

"Em um ano, o Brasil elevou seu número de milionários em 60 mil, passando de 130 mil em 2006 para 190 mil no ano passado, de acordo com dados do BCG (The Boston Conulting Group).
A fortuna desses milionários está estimada em aproximadamente US$ 675 bilhões, o que equivale a cerca de metade do PIB brasileiro.
São classificados como milionários aqueles com mais de US$ 1 milhão aplicado no mercado financeiro."

Capa da Folha de São Paulo, domingo, 13 de Janeiro de 2008.

Impressionante. 60 mil pessoas tornaram-se milionárias num período de 12 meses. Mas o país não cresceu tanto assim. Só tem uma explicação lógica: são pessoas de sorte que ganharam, cada uma, prêmio máximo em loterias em países como Zimbabwe e Botsuana e compraram uma açãozinha ou outra do fermentadíssimo bolo que é a Bovespa.

PS: alguém sabia que, em relação a Zimbabwe, "dados governamentais de junho de 2007 já apontam uma inflação de 4500%, embora especialistas afirmem que ela já chegou a aproximadamente 15000%"?
(ver wikipedia)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Igreja ‘John Coltrane’ funciona há 25 anos em São Francisco

Saxofonista é o santo padroeiro da St. John Will-I-Am Coltrane African. Culto de domingo à tarde se divide em jam session e encontro espiritual.

Ao lado do altar da igreja na rua Fillmore, em São Francisco, há um órgão, dois contrabaixos, uma bateria e três microfones. O hinário, ou livro de músicas, encontra-se aberto em uma peça de título "Blues for Bechet". Pendurado na parede lateral, um ícone do santo padroeiro da congregação, com um halo dourado em volta da cabeça e segurando um sax tenor com um brilho emanando da campana.

Sendo esta a casa do jazz e de Deus, o culto do domingo de manhã começa, na verdade, no domingo à tarde, o equivalente a madrugar para qualquer músico que fez três shows no sábado à noite. Clérigos, diáconos e coroinhas aparecem, liderados por um homem alto e magro com um sax tenor bamboleando pendurado por uma tira presa em volta da gola padre. Ele é o arcebispo Franzo Wayne King, fundador e pastor desta comunidade de fiéis, a igreja ortodoxa St. John Will-I-Am Coltrane African.

Durante as três horas seguintes, o culto se divide em jam session e encontro espiritual. A liturgia cristã tradicional, incluindo o Pai Nosso e as leituras de um evangelho e uma epístola, discorre em meio a uma série de performances intensas, quase mágicas, de composições de Coltrane. "Você é aquilo que você escuta", diz King em seu sermão. "Quando você escuta John Coltrane, você se torna um discípulo do sagrado."

A igreja de Coltrane não é um engodo publicitário nem uma mistura forçada de música de nightclub e fé etérea. Sua mensagem de libertação por meio do som divino é, na verdade, bastante coerente com a experiência e a mensagem do próprio Coltrane.

Durante uma vida criativa ao extremo e finda precocemente aos 41 anos, Coltrane produziu um conjunto de performances e composições que se mantiveram como profunda influência entre músicos e ouvintes de jazz, assim como dos entusiastas do rock experimental. Hoje, 40 anos após sua morte, ele permanece como presença consolidada no cânone da música norte-americana.

Coltrane também incorporou uma figura religiosa. Viciado em heroína na década de 50, cortou o vício de uma vez e completamente, e mais tarde explicou que havia escutado a voz de Deus durante sua angustiante fase inicial de abstenção. Em 1964, gravou o álbum "A love supreme", com canções originais de louvor em estilo free-jazz.

Estudando as religiões orientais, além do cristianismo, passou a lançar músicas religiosas mais de vanguarda em "Ascension", "Om" e "Meditations". Em 1966, um repórter no Japão perguntou a Coltrane o que ele esperava ser dali a cinco anos, ao que o músico respondeu: "Um santo."

'Jesus Cristo negro'
Assim sendo, Franzo Wayne King foi a pessoa que levou Coltrane ao pé da letra. Isso aconteceu a partir do momento em que conheceu a gravação de "My favorite things" e começou a se aprofundar e apreciar o trabalho mais antigo de Coltrane na banda de Miles Davis.

Pouco depois da morte de Coltrane, King criou uma pequena congregação chamada Yardbird Temple, em alusão ao apelido de outra fera do jazz, Charlie Parker, o Bird. Naquela altura, os fiéis cultuavam Coltrane como a encarnação terrena de Deus, ao mesmo tempo considerando Parker como um equivalente a João Batista.

Essa teologia, é claro, posicionou King e seu rebanho fora dos limites do cristianismo. Ele retornou a essa esfera no início dos anos 80, quando conheceu o arcebispo da Igreja Ortodoxa Africana, cujos adeptos cultuam um Jesus Cristo negro. King fez a concessão necessária para se tornar um membro. "Rebaixamos Coltrane do posto de Deus", diz. "Mas o acordo foi que ele poderia ficar na qualidade de santo e ser o padroeiro de nossa igreja."

É assim que a igreja St. John Will-I-Am Coltrane funciona há vinte e cinco anos. A esposa e os filhos de King participam dos cultos como "ministros musicais" e já tocaram em diversos festivais europeus de jazz. E os freqüentadores da igreja, ao longo dos anos, passaram a incluir no repertório a viúva de Coltrane, Alice Coltrane, e o guitarrista de rock que também bebeu nas fontes do jazz Carlos Santana.

Fonte:G1





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Para quem quiser baixar álbuns, vai aqui um link do blog amigo, Jazzman (http://jazzmanmp3.blogspot.com)

2001 - The Best of Miles Davis & John Coltrane: 1955-1961
1965 - Ascension
1964 - A Love Supreme
1963 - John Coltrane And Johnny Hartman
1962 - Duke Ellington & John Coltrane
1960 - Coltrane Plays the Blues
1959 - Bags and Trane
1959 - Giant Step
1958 - Lush Life - John coltrane
1957 - John Coltrane - Blue Train

Thelonious Monk Quartet with John Coltrane - At Carnegie Hall - 2005 / Recording Date: 1957


http://jazzmanmp3.blogspot.com/search/label/John%20Coltrane

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Onde está a liberdade tão alimentada pelo sonho humano?


"Liberdade, essa palavra

que o sonho humano alimenta

que não há ninguém que explique

e ninguém que não entenda.
"

(Cecília Meireles)

Para Bertrand Russell, filósofo e matemático inglês do séc. XX, em seus Ensaios Céticos, a liberdade é um valor que admite gradações. Como argumento, ele cita o exemplo de crianças que deixadas por conta própria, mais cedo ou mais tarde terminaram em maus caminhos, e que por isso a liberdade delas deve ser monitorada por adultos, os quais também lhes devem impor limites. Mas a grande questão levantada é: até que ponto a autoridade dos adultos sobre as crianças deve ser permitida e como deve ser imposto esse limite. Além disso, o homem também deve obedecer a certos limites ou aproveitar sua liberdade ao máximo?

Atualmente, as pessoas sentem-se ofendidas toda vez que a liberdade é colocada em risco ou sob ameaça. Esse limite sobre a liberdade infantil defendida por Russell, muitas vezes é mantido durante toda a vida, em situações “normais”, por exemplo, quando, em um condomínio, residencial ou empresarial, se criam e se aceitam leis e regras, ou um salário mínimo que um regime determina. Geralmente, um grupo de pessoas, por mais homogêneo que seja, tende a eleger um líder (como comentara Montesquieu, em suas Cartas Persas, que aos seres humanos sempre cai o jugo de serem submissos), e esse passa a exercer um cargo de autoridade, por mais democrático que seja o grupo. A autoridade é quem, geralmente, determina as regras e as leis que o grupo deve seguir, e às vezes, quando a autoridade é exercida demasiadamente, o grupo é proibido, perdendo parte de sua integridade, enquanto ser livre.

Seguindo-se essa linha, temos que a humanidade é contraditória em sua essência, pois ao passo que abole qualquer ato de escravidão (embora durante muito tempo essa tenha sido a forma mais comum de mão-de-obra), aceita pacificamente leis que, em determinadas situações são piores que a própria escravidão da Antiguidade. Por exemplo, trabalhadores assalariados que passam 12 horas numa jornada de trabalho para ganhar um salário sobrevivendo miseravelmente, e consumir o produto que eles mesmos produziram na fábrica de seu patrão – o burguês, que assume o papel de autoridade perante esse regime de escravidão travestida de liberdade.

Não só na relação de pessoas, mas também entre países, existe essa relação de senhor feudal e vassalo, em que o mais fraco sempre fica dependente do mais forte economicamente, (conseqüentemente autoritário, pois é detentor de um maior poder bélico, talvez, maior riqueza e, portanto, maior liberdade de expressão). Essa relação senhor feudal X vassalo começa entre os próprios governantes desses países e resultam em boas condições de vida (com direito a casas, carros) para os “livres”, ou mantenedores de poder opressivo – os dominadores –, e fome, desigualdade e escravidão aos segundos.

Teoricamente falando, a ética atual do ocidente descendente das três máximas da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade –. Embora a Organização das Nações Unidas pregue que "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”, a própria humanidade já fez questão de banir a igualdade, fechar os olhos à fraternidade e aos poucos tornar a liberdade um valor meramente figurativo, já que apenas no papel existe algo que mantenha os seres humanos livres e iguais.

Com isso, pode-se chegar à conclusão de que o homem (enquanto ser individual, mas sociável – e contraditório) certamente apóia a liberdade, mas pouco faz para manter a sua própria. À medida que é subjugado pela autoridade mais próxima, aceita que essa prevaleça e teça sobre ele limites, às vezes, tão banais, que mesmo sendo adultos e dotados de maturidade em relação às crianças, têm de aceitar, pois o poder tem a característica de corromper quem está sob e sobre o poder. Com isso, não é de se admirar que alguns países tentam, a todo custo, manter (des)informados a população de acordo com a melhor estratégia para se poder manipula-la, assim como os fazem, alguns pais quando criam seus filhos.