quinta-feira, 31 de julho de 2008

Cute Orc Story



The village was burning down. The Horde had succeeded. One of the Orc warriors had been watching that little girl for quite a while - maybe thirty seconds or a little less. He decides to approach, but notices a fellow of his getting closer to her.
- ====>. (I call dibs)
- URH? (Are you calling dibs?)
- ROAAAAR! (I wanna fuck 'er.)
- ROOOOOOAR? (To kill?)
- ROAAAAAAR! (To fuck!)
(Five, maybe six seconds later.)
- UAAAAARHHHHHHHHHH! (Shit! You killed 'er before I fucked!) **
- WROOOOOOOORRRLL! *

*Since we are sure there is no kind of apologizing in Orc idioms, we believe that was not any kind of "my bad", but some sort of expression without perfect translation and probably very offensive.

** A mistranslation is possible in the sense that he might have said "O shit! Now I gotta fuck 'er dead".

terça-feira, 29 de julho de 2008

Somos zumbis?

No Haiti, eles são parte do folclore. Em Hollywood, ficaram famosos em comédias de humor negro pelo grito "Miooolos!". Há, no entanto, ciestistas que os levam a sério: psicólogos e filósofos discutem se é possível um humano ser um zumbi. A "teoria zumbi" é um inusitado tema de debates apaixonados entre estudiosos da consciência humana. Mas o morto-vivo filosófico ("philosofical zombie" ou "p-zombie") é diferente dos esfarrapados personagens dos filmes de George Romero. Trata-se de uma criatura hipotética, igual a um ser humano, exceto pela consciência. Se existisse, ao tropeçar numa pedra, por exemplo, não sentiria dor. Para senti-la, o cérebro humano, como uma máquina, precisa primeiro da informação do que é a dor. E essa informação depende da consciência.

O precusor na área é o inglês Robert Kirk. Em 1974, no artigo "Zumbis x Materialistas", ele propôs uma versão de "As Aventuras de Gulliver", de Jonathan Swift, em que os habitantes de Liliput dominam a mente do visitante e o transformam em Zulliver, um morto-vivo com a mesma aparência e funções coportais mas suas sensações e emoções dependem das ordens das minúsculas criaturas em sua cabeça. Ainda poderia ser considerado humano?

David Chalmers, vai além no livro "The Conscious Mind" (não traduzido no Brasil), de 1996, no qual descreve um mundo onde todos são zumbis. Desde então, defensores e críticos da hipótese discutem se tais criaturas seriam ou não possíveis.
Os títulos de alguns trabalhos dão a medida da polêmica. "Conversas com Zumbis", "Sim, Nós Somos Zumbis" e "O Ataque Zumbi".

Parece perda de tempo discutir os mortos-vivos a sério, mas as implicações justificam o debate. "Se eles não são possíveis, então a mente é o cérebro e nada mais. Isso abre a possibilidade para a noção de que um computador pode ter uma mente", diz Gustavo Leal Toledo, da PUC-RJ, autor de trabalhos sobre zumbis filosóficos. Um robô ou androide a princípio seria um morto-vivo. "Mas, se criarmos um robô complexo, ele terá consciência em algum momento", diz João Texeira, professor de ciência cognitiva da Universidade Federal de São Carlos. Além de inteligência artificial, as especulações envolvem clonagem e - caso a teoria esteja errada (e a consciência for mesmo parte do cérebro) - a possibilidade de a pscicologia ser substituída por uma neurociência capaz de criar remédios ou cirurgias que mudem o modo como as pessoas percebem o mundo.

No fundo, discute-se a noção de humanidade. Se somos únicos ou se no futuro poderemos ser reproduzidos numa máquina. Mesmo que em algum momento, de brincadeira, ela seja capaz de dizer "Miooolos".

(Alexandre Rodrigues - Revista Galileu - Abril/2008)

*****

Leitura interessante, só para constar algo sobre diversos temas que nos esperam no futuro. Muito embora não concorde com tudo que esteja escrito aí em cima, vale à pena, refletir um pouco sobre nossa sociedade e a maneira como estamos intimamentes ligados à tecnologia, mas, paradoxal e totalmente desligados de uma consciência acerca das mudanças.

Segue um outro post, do pisterovix, com uma excelente explanação dos temas.
http://saraugourmet.blogspot.com/2008/07/revolues-paradigmas-futuro.html

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Dois pés esquerdos


Limpei meus pés no carpete e fui dançar com a dama de vermelho. Neste dia eu fiquei com dois pés esquerdos; neste dia, então, eu tomei partido. Hoje, já velho, perdi um pé e a visão do vestido vermelho decotado. Definitivamente vou sair do partido.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Guimarães Rosa


"Minha língua é a arma com a qual defendo a dignidade do homem"

"Somente renovado a língua é que se pode renovar o mundo. Devemos conservar o sentido da vida, devolver-lhe esse sentido, vivendo com a língua. (...) O que chamamos hoje linguagem corrente expressa apenas clichês e não idéias; por isso está morta, e o que está morto não pode engendrar idéias".

A linguagem restaurada significa restauração da vida individual, interna e externa, e, portanto, também em comunidade. É uma ética, um compromisso. A linguagem, para Guimarães Rosa, é vida que engendra idéias, sentido, mundo.

Tal atitude de renovação, de volta à origem, de busca de um ideal de saúde, beleza, ordem e unidade - de busca do perfeito - é facilmente reconhecível: é a atitude platônica daquele que se deixa guiar, em todas as circunstâncias, pela contemplação do modelo único, unificador, do Bem. Este paradigma é o
logos, no seu duplo sentido de "palavra" e "razão".

Ao ter sua vida orientada por este ideal único, o homem torna-se, igualmente, uno: um indivíduo - uma personalidade unificada, integrada, íntegra. Disperso pelos sentidos do corpo, o homem recolhe-se numa alma singular, numa vida específica. Adquire uma identidade, um nome, uma fala própria.

Esta é a atitude do
homem justo de Platão, o homem dotado de virtude (arete) e de pensamento (fronesis), guiado pela inteligência (nous) e pela razão (logos) na aquisição do conhecimento (episteme): o homem cuja alma está ordenada - kosmiai - e integrada sob o princípio da razão. Esta é a atitude do homem aristocrático, do filósofo, do "filólogo", que, tanto na vida privada quando na vida pública, se deixa guiar pelo modelo divino do Bem - pelo organon da palavra (logos) - que tem em sua alma.

(...)

Assim, homem justo - inteiro, íntegro -, Guimarães Rosa cumpre seu compromisso ético da maneira mais pontual e aplicada, no mundo diário, sem tirar a vista do modelo ideal a que aspira, com o sentido de transformar esse mundo, ao realizar "sua obra própria", ao tentar devolvê-lo à sua pureza original. Como a alma platônica que, tal o deus marinho Glauco, emerge das águas coberta de algas e impurezas que não permitem perceber sua natureza original, o mundo também está escondido por impurezas que velam seu modelo, o
logos. O mundo é linguagem original, viva, a linguagem que diz a verdade, que tem sentido.


***


"... um diplomata é um sonhador e por isso pude exercer bem essa profissão. O diplomata acredita que pode remediar o que os políticos arruinaram. (...) e também por isso mesmo gosto muito de ser diplomata. (...) Mas eu jamais poderia ser político com toda essa constante charlatanice da realidade".

"Mas quero ainda ressaltar que credo e poética são uma mesma coisa. Não deve haver nenhuma diferença entre homens e escritores; essa é apenas uma maldita invenção dos cientistas, que querem fazer deles duas pessoas totalmente distintas. Acho isso ridículo. A vida deve fazer justiça à obra, e a obra, à vida."




Araújo, Heloísa Vilhena de.
Guimarães Rosa: Diplomata/Heloísa Vilhena de Araújo. - Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2007.

Heloísa Vilhena de Araújo, Embaixadora, é Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Londres (o que, devo dizer, além de uma grande titulação, é uma ironia ainda maior).

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Dormente

Abriu lentamente os olhos. Como era difícil fazê-lo! Olhou rapidamente o ambiente. Estava deitado. Checou seu sempre relógio - dia 25, 16 horas e 17 minutos. Havia dormido só um dia. Uma moça de branco, "Ô, senhorita"! Ela olhou, meio surpresa, e respondeu, "Bom dia, sr. Costa!", "Quer dizer que eu só dormi um dia?", "Na verdade, sr., o sr. dormiu 40 anos, 11 meses e... é, isso, e um dia. ". Quarenta anos. Quase quarenta e um. Fechou vagarosamente os olhos "Você é uma robô, ciborgue, andróide?", "Não, senhor", mas a voz até que parecia meio computadorizada mesmo. "Então o que você é?", "Sua proctologista". Abriu os olhos pesados de novo. Viu-a melhor. Era uma figura penosa que se disfarçava com vestes cândidas angelicais. Fechou os olhos. Ia voltar a dormir. Quem sabe ele, humilhado, não poderia acordar 40 anos, 11 meses e dois dias no futuro e esquecer essa história toda com mulheres virtuais lindas e não-defloradoras?

terça-feira, 22 de julho de 2008

Todos os olhos


Acordou-se numa bela manhã de domingo e quando olhou pela janela viu um enorme machado de pedra, de pelo menos dez metros de altura, fincado no chão bem em frente à sua casa. Morava com os pais, e foi para a cozinha onde eles tomavam café.

“O que é aquilo?”

“Aquilo o quê?”

“Aquele machado lá fora”

“O que tem ele?”

“O que é ele?”

Sua mãe fez uma cara de preocupada.

“O que você quer saber exatamente?”

“O que aquela coisa está fazendo ali!”

“Sempre esteve ali. Querido, você está bem?”

Decidiu que era melhor deixar pra lá, e continuou o dia normalmente.

Acordou no outro dia com um barulho alto e forte. Vários barulhos altos e fortes depois, ele se levantou e foi para a cozinha. Lá encontrou seus pais na mesa com panquecas em cima de tábuas de carne. Estavam usando machados para cortar pedaços da panqueca, como se fosse um talher, e levavam os pedaços à boca com as mãos. Era um processo barulhento.

“O que é isso?”

“Isso o quê?”

“Que vocês estão fazendo?”

“Tomando café – fiz panquecas, quer uma? Pegue um machado, acabei de lavar”

Decidiu que era melhor deixar pra lá, e continuou o dia meio desconfiado.

Dormiu mal e acordou mal. Quando se decidiu por abrir os olhos, viu um grande olho olhando para ele – e não conteve um grito. O teto agora tinha um olho. Não um olho pintado, nem esculpido. Um verdadeiro grande olho, com veias, dutos lacrimais, pupilas, córneas e uma pálpebra, que piscou. Olhava fixamente para ele. Levantou-se e viu que na ponta da maçaneta da porta havia outro pequeno olho, e aos poucos notou que quase tudo no seu quarto tinha um olho que o observava. Enquanto o criado-mudo o seguia com o olhar, foi para a cozinha. Àquela altura ele não sabia se devia se surpreender ao ver que seus pais não tinham olhos. Olharam para ele, ou pelo menos essa era a impressão.

“Meu filho, o que é isso na sua cara?”

“O quê?”

“Tem duas coisinhas aqui, espera” pegou um lenço e esfregou os olhos do filho. “Não quer sair”

“Mãe, meus olhos!”

“Seus o quê? Meu filho, você está bem? Eu e seu pai estamos preocupados com você, você tem se comportado estranhamente nos últimos dias”

“Não tenho nada”

Quando olhou pela janela na manhã seguinte, sob o olhar vigilante do gigantesco machado, viu que o céu estava verde-limão. Antes que pudesse se espantar, sua mãe apareceu do outro lado da janela, pulando e rindo histericamente, brandindo um machado e com pedaços de panqueca mal mastigada escorrendo da boca. Pouco depois seu pai se juntou à coisa que estava acontecendo, o que quer que fosse, e em cinco minutos ele viu cinco mães suas e quatro pessoas iguais ao seu pai dançando numa espécie de ciranda no jardim, em frente ao machado, brandindo machados, enquanto saboreavam os olhos das panquecas, que davam seus últimos suspiros olhando tristemente para o céu, agora laranja.

Teve medo. Não tinha medo de esculturas inesperadas ou de gente sem olhos, mas sentiu quase um pânico por aquilo que não conseguia explicar. Qualquer coisa que ele tentasse pensar não fazia o menor sentido; perguntou-se se as coisas que ele achava que sabia não teriam mudado também, se ele realmente sabia alguma coisa ou se tudo não era simplesmente uma alucinação; estava num estado em que não sabia se estava louco ou se era louco antes e agora estava aos poucos vendo a realidade. Isso tudo o fez ter medo. Foi na cozinha, pegou um machado meio cego – em qual sentido? – destruiu tudo, matou seus nove pais e partiu sua própria cabeça em dois. O sangue que jorrou era roxo.



Parabéns a Matteo Ciacchi, vencedor da IV Competição Literária do Sarau! Parabéns também aos demais participantes!

domingo, 20 de julho de 2008

Fragrante

- Olha, tá sentindo esse cheiro?
- Tou.
- Vem de onde?
- Dali, ó.
- Hmm, verdade.
- Ou dali?
- Não, dali, certeza.
- Tem?
- Pensando bem... é, é, é dali mesmo, sem dúvida.
- Hm.
- Por quê?
- Não, é que...
- Tem uns tons amadeirados, né?
- Tem. E... Ameixa?
- Não, amora.
- Amora?
- É, amora.
- Tá, amora. Mas não tem ameixa?
- Não.
- Sei não, viu?
- Tou dizendo.
- Uva?
- Sim.
- Que ano?
- Hmm... Parece coisa recente. Safra do ano passado.
- Eu diria que é desse.
- Talvez. E esses tons finais, de que são?
- Difícil dizer.
- Parece o tipo de aroma do homem moderno: elegante, porém casual; apressado, porém com tempo; massificado, porém culto. Mostra toda a dualidade que vivemos e o homem preparado para os desafios que enfrenta.
- Hm. Você parece entender de perfume.
- Ah, claro. Todo grande homem deve. Big fan.
- Ei, levanta seu sapato, por favor. Acho que o cheiro tá vindo daí.
- ?
- Ah, tá vendo aí? Limpa essa merda.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Surdo


O céu está limpo; não está tão escuro quanto deveria. As luzes da cidade apagam as estrelas com as quais tanto queria falar. Apertando os olhos, encaro-as. O vento da noite enlaça meu peito nu e os sons da cidade à noite me fazem seresta e fogem. As paredes são frias; toco-lhes e não tenho resposta. Canto um grito de socorro e depois grito um canto de desespero. Não há resposta. Levanto-me e tento abraçar o vento, que dança e se desfaz num arrepio de hipotermia. Encaro novamente o céu à procura de esperança. Vejo o semblante de um deus. Ele tem medo e dá as costas em toda a sua onipotência. Encosto-me no pequeno pedaço de nada que me separa do último vôo e o atravesso. Não há resposta.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A piscina do Palácio da Alvorada

Muito grande e bonita, um azulão:
Um pulo na água, outro na prisão.

terça-feira, 15 de julho de 2008

IV Competição Literária do Sarau


Incomum, não?
A imagem acima é, na quarta edição da Competição Literária do Sarau, o parâmetro definido. Os participantes devem iniciar o conto com essa imagem, assim como está no texto de agora. O limite de linhas e da imaginação é definido apenas pela liberdade do autor. Os contos devem ser entregues até o dia 22, terça-feira.
Os participantes, so far, são:
1 . Giovanna Lyra
2 . Ingrid Brasilino
3 . Matteo Ciacchi
4 . Raelson Farias
5 . Rafaela Alves
Criatividade a todos!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Revoluções, paradigmas, futuro


Assisti Wall-E. O filme é bom, mas me assustou profundamente. Há meses não saía tão angustiado do cinema. É claro que a historinha cativa, os personagens são muito carismáticos e tudo mais; o que pode passar despercebido ao espectador é o aviso, que chega a ser sério demais. Outro dia me espantei: tinha saído no jornal on-line que já estava operando um barman robô em Londres. Não pensávamos em nada assim 15 anos atrás, a não ser se saído de um filme de sci fi. E hoje funciona. Sempre reparo na juventude que caçoa dos mais velhos e apresenta uma postura pouco compreensiva com o nem sempre tão almejável relacionamento deles com os avanços que estão a nosso alcance; há sempre um avô que se surpreende com uma tela touchscreen, e sempre alguém que não consegue imaginar as possibilidades do wifi. Se pensarmos mais pra trás, alguém que nasceu na década de 1930 numa família humilde e num país periférico poderia mesmo chegar a imaginar as maravilhas dos computadores - e isso pensando só num âmbito doméstico. E a inteligência artificial e, supõe-se, sua capacidade de se auto-desenvolver?

Ainda em relação ao filme, dois cenários são postos em oposição: uma nave-cidade com todo o conforto que se pode oferecer e uma Terra pós-apocalíptica consumida pelas toxinas do lixo ubíquo. O filme se passa no século XXIX, mas não me parece tão distante assim. Comentando o tópico, disseram-me algo: o futuro ideal dos sedentários com a tecnologia à mão não será alcançado pela humanidade, e, se chegar a acontecer, será péssimo. Ora, os personagens animados não parecem achar ruim enquanto, aparentemente, subordinam as máquinas à [ilusão de] sua vontade. De fato, não seria ruim. Quem não assistiu ao primeiro exemplar da trilogia Matrix? Lembram da traição que delatou Neo, Morpheu e os demais? Quem o fez, fê-lo porque não suportava mais a realidade em que vivia - era fria, em seus vários sentidos, e preferia trocá-la por uma realidade muito mais interessante: era um mundo similar ao em que vivemos, que o permitia saborear um pedaço de filé e ter um bom emprego. Qual a diferença entre um mundo e outro? Quase nenhuma. Os prazeres que sentimos, de comer a comer, são todos estímuulos aos sentidos que podem ser simulados, como experimentos mostram em ratos, se tivermos acesso ao hipotálamo e demais áreas e liberar correntes. Talvez a única distinção que possamos fazer é que no mundo de Morpheu (nome que, se remetido à origem, cai muito bem no caso), ele acha que está certo, e que aquelas são, efetivamente, as coisas em si; no mundo da Matrix, ninguém liga pra isso. (Várias analogias podem ser feitas a isso no contexto em que nós vivemos).

Será que vamos chegar a esse futuro? Não sei. O homem teme o desconhecido, e o homem racional, aquilo que ele não consegue estipular, prever, supor com base na razão. Temo o futuro: não há solidez que faça levar a uma resposta nítida. O desenvolvimento é levado a cabo até as últimas conseqüências pelo formato devorador do sistema atual, e poucos (ou não há) obstáculos para o avanço da ciência. A descoberta da energia nuclear - com pretensões, inicialmente, boas -, que levou à criação de duas bombas que assolaram o Japão e deram aos dois pólos do mundo na época uma ótima ameaça que manteve a humanidade em clima de guerra por décadas, ou seja, a desvirtuação da essência do seu uso, levou os físicos do mundo inteiro a recaírem numa crise ética. Os biogenéticos estão a um passo de vivenciar a própria: o progresso dessa ciência tem levado à descobertas inimagináveis como curas, clonagens e criação de superseres (que, pensa-se, seriam utilizados para coerção violenta) e subseres (que, pensa-se, seriam utilizados como escravos). A bioética surgiu, entre 1969 e 1970, com alguns autores, tendo a finalidade de propor modelos e análises que deveriam poupar os cientistas de ter de constantemente rever questões éticas à medida que progrediam e para criar uma uniformidade de âmbito universal. Os modelos que surgem e são propostos às ciências, como, em Capra, os modelos ecoéticos, talvez nos poupassem muita coisa. Talvez até nos poupasse das duas situações expostas no filme. Apenas talvez: os modelos são, tal qual o nome sugere, criações ideiais de como deveriam ser Se, e as conclusões são tomadas a partir daí. Nem todas as variáveis são ou podem ser levadas em consideração.

Pode ser tudo uma questão de mudança de paradigma e nós estamos bem no meio. O surgimento de pensamentos como o de Capra anunciam essa possibilidade. Voltando à questão dos nossos conhecidos de mais idade, alguns se acostumam, outros negam: há quem se recuse a utilizar um computador, não reconheça sua praticidade e leque de possibilidades. Esses são os que relutam em aceitar. Numa época de mudança, isso é sempre bem claro: há os que vão sendo levados pela mudança, há os que pensam além e procuram, esquematizando, prever, e há os que defendem, com unhas, dentes e teclas, as posições que são tidas como retrógradas. Exemplo claro é o da Revolução Francesa, que comportava os sonhadores que viam naquele princípio de mudança a possibilidade de idealização de modelos perfeitos, os revolucionários, que acompanhavam, com as armas, as mudanças, e os que, ferrenhamente, defendiam os valores e paradigmas feudais. E esses permaneceram por um bom tempo - não me surpreenderia encontrar relações quase feudais de trabalho ainda hoje. Nós somos a geração que acompanha o progresso, que interage com as máquinas maestralmente e que não entende os que não o fazem. A mudança de paradigma por que passa a ciência, a fuga do sistema newtoniano-cartesiano, representa, talvez, um avanço. Vai depender do que está por vir.

Mas e nós? Onde ficamos? No meio de tudo, com a ilusão de comandar máquina e vida, constância e mudança, exatamente no olho do furacão? Não consigo acreditar nisso. Só o que consigo ver no futuro é escuridão da incerteza e da iminente possibilidade da frutificação da semente de auto-destruição que a humanidade carrega em seu ventre. E será assim? Bem, daqui a alguns anos você pergunta de novo - (até lá, como alternativa possivelmente menos ruim, o leitor pode sonhar com o futuro preguiçoso no espaço exibido em Wall-E).

domingo, 13 de julho de 2008

Nierika

Em tempos imemoriais, viviam dentro de uma caverna. Um grupo de animais, andavam parcialmente sobre duas patas, e possuíam menos pêlos que os demais. Ademais, seguiam a sua natureza: selvagens inatos.
Suas vidas eram guiadas por dois momentos. No verão a fartura no litoral, onde eram abundantes os peixes e as aves. No inverno deslocavam-se para o interior do continente, onde ainda havia alimento, escasso, mas havia.
Seguia-se a vida, passavam-se as eras. Um dia, igual a tantos outros que viriam, mas diferente de todos que já passaram, um deles, numa de suas andanças, encontra seres como ele. “Como” pois não eram iguais, não. Havia diferenças, sutis. Algo na estatura e na constituição, um tom no olhar, algo assim. Teve medo, ocultou-se atrás de uma rocha. Mas o outro havia percebido a sua presença.
Ele se aproximou, lenta e cautelosamente. O primeiro ficou estático, sem reação. Não sabia como reagir. Atacar? Fugir? As conseqüências de ambas atitudes eram por demais complexas para a sua mente. Mas ele entendia que havia conseqüências. Graças ao outro, surgia ali o que viria a ser chamado de “consciência”.
O outro levantou a mão, e deixou cair na mão semi-aberta dele um pequeno objeto. Não passava de um círculo pequeno, feito de algum material branco e resistente, embora não muito. Possuía um furo no meio, e ao primeiro olhar, ele percebera que aquilo era diferente de tudo que já vira. Havia algo que estava presente naquilo, algo que denotava a sua “não natureza”. Sabia de modo inato que aquilo não poderia ser encontrado no habitat como estava ali.
Sem grunhir ou fazer mais nada, os dois deram as costas e foram cada um para o seu lado.


Era o inverno, e a escassez de alimentos atingia a tribo severamente. Os animais vinham mudando de comportamento, e já se tornava extremamente difícil conseguir alimento. Não sabiam se iam sobreviver àquela temporada. Ao longe, um deles avista algo se aproximando do lugar onde se abrigavam.
Eram três sombras, um pouco maiores que um deles seria, mas, por algum motivo, não podiam deixar de pensar que era um igual. Quando chegaram mais perto, viu-se que o tamanho extra devia-se as duas pesadas trouxas que carregavam, cada um, nas costas. Eles pararam, e pousaram-nas no chão, revelando uma incrível fartura de alimentos. Alguns olharam ansiosos para aquilo, outros com desconfiança e medo, vários com raiva.
Mas o que reconhecia um dos recém chegados soltou um som alto e grave eliminando a ansiedade de seus iguais. Aproximou-se daquele que reconhecera, e balançou a cabeça. “Linguagem”. Então, pegou o objeto que ele entregara, meses atrás, embora nem os meses existissem ainda, e que estava cuidadosamente guardado. Pousou-o na mão semi-aberta daquele que agora podia entender, mas não ainda chamar, como “amigo”. O outro compreendeu, e junto com os seus virou-se e saiu dali.
“Sociedade”. “Humanidade”. “Filosofia”. “Ciência”. “Estudo”. “Conhecimento”. “Idéias”. “Palavras”. Mas antes, um simples “Sentimento”.



Parabéns a Augusto Tavares, vencedor da III Competição Literária do Sarau. Parabéns também aos demais competidores!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Algumas linhas

Estou moribundo. Quero partir. Só agora sinto que amo; só agora sinto que sou amado. Só eu sei; meus dias estão contados. Queria dizer a ela que sei que a amo. Não consigo.
... ...
Há pouco descobri que não estou moribundo. Não quero partir. Só agora vejo que não amo; só agora vejo que não sou amado. Só eu não sei; meus dias não estão contados. Não queria dizer a ela porque não sei se a amo. Mas consigo.


***

Há muitas histórias sobre o velho dos livros. Ou o velho e os livros. Um ou outro. Sei lá. Mas algumas são histórias famosas. Nunca soube bem onde ele trabalhava, só sei que com livros; nem se está vivo de fato; as coisas que se diz sobre ele todos os dias, por outro lado... ah, essas estão.

Conta que certa feita, ele, analisando minuciosamente, já observava um cliente novo. Homem jovem, elegante. Passos indecisos, expressão facial ainda mais; as mãos perescrutavam as prateleiras parecendo sempre insatisfeitas. O que quereria ele?

Era um dia de pouco movimento. Ótimo. Pôde concentrar seu olhar crítico no rapagão. Vestia-se todo de branco. Isso dizia muito; não solicionava, entretanto, o problema. Percorreu todos os corredores - eram muitos, de se perder na imensidão mal-sinalizada e iluminada. Depois de algumas horas de olhares que levavam a pensamentos que cortavam o silêncio de enormes e o tentavam curar impondo um clima denso, o homem aparece.

Barba recém-feita, corrente dourada, dois botões da camisa abertos, seu olhar inquieto e flamejante da juventude incontrolada o traía. Trazia um exemplar d'O Pequeno Príncipe, uma edição de luxo da obra de Exupéry. Pulara a infância?

- Olha, eu...
- É, você quer levar, eu sei. Ninguém vem até aqui pra dizer que achou bonito.
- Hm, é.
- Você é estudante na área de saúde?
- Er, hm, não, não. Sou recém-formado, formado, é. Sou médico-cirurgião. Doutor...
- ... e você se acha capaz de curar alguém?

terça-feira, 8 de julho de 2008

Breve reflexão sobre justiça

Ser injusto necessário

Todos os juízos sobre o valor da vida se desenvolveram ilogicamente e são, por isso, injustos. A inexatidão do juízo reside, em primeiro lugar, na maneira como se apresenta a matéria, isto é, muito incompleta; em segundo lugar, na maneira como a respectiva soma é efetuada; e, em terceiro lugar, no fato de cada fragmento isolado dessa matéria ser, por sua vez, o resultado de um conhecimento inexato e isso de forma absolutamente necessária. Nenhuma experiência, por exemplo, acerca de um homem, por mais próximo que esteja de nós, pode ser completa, de modo que tivéssemos um direito lógico para fazer uma avaliação global da mesma; todas as avaliações são precipitadas e devem sê-lo. Finalmente, a unidade que nos serve de medida, nosso ser, não é uma grandeza invariável; nós tempos estados de espíritos e oscilações e, não obstante, deveríamos conhecer-nos a nós mesmos como uma medida fixa para podermos fazer uma avaliação justa da relação de qualquer coisa conosco. Talvez disso tudo decorra que não se deveria julgar em absoluto; se somente viver sem fazer apreciações, sem ter inclinação nem aversão! De fato, toda a aversão está ligada a uma apreciação, assim como toda a inclinação. Um impulso a se aproximar de qualquer coisa ou a se afastar de qualquer coisa, sem um sentimento de querer o vantajoso, de evitar o prejudicial, um impulso sem uma espécie de apreciação, de reconhecimento quanto ao valor do objetivo, não existe no homem. Somos, por destino, seres ilógicos e, por isso, injustos, e podemos reconhecê-lo: esta é uma das maiores e das mais insolúveis desarmonias da existência.
(Nietzsche, F. – Humano, Demasiado Humano)


Baseados no texto acima, podemos ver que julgamentos são injustos, e é fato que isso ocorra, como já foi explicado acima. No trecho: “Nenhuma experiência, por exemplo, acerca de um homem, por mais próximo que esteja de nós, pode ser completa, de modo que tivéssemos um direito lógico para fazer uma avaliação global da mesma;”, tem-se uma situação muito semelhante a um julgamento tradicional, desses que acontecem diariamente em tribunais de “Justiça”.

Também é sabido que determinados temas exigem bastante análise para chegar a uma conclusão (muito embora, qualquer conclusão seja precipitada, já que não temos a faculdade de conhecer a verdade absoluta), e essa muitas vezes é injusta. Ademais, por tratarmos de pessoas, cada caso reside em sabermos avaliar a fim de darmos um veredicto que condiz com a realidade – pelo menos, a mais próxima. A subjetividade é bastante presente, e, portanto, são necessárias reflexões sérias acerca dos dados, procedimentos corretos ao tratar esses, já que existem pesos que nos fazem tender a um determinado lado.

E por não ser expressão exata, um ato nunca poderá ser avaliado corretamente, se morais diferentes forem usadas. Por não existir uma expressão exata de moral, deve-se tentar abstrair o máximo possível, esses pesos, já que o julgamento (simples “inocente” ou “culpado”) será posto sobre outras pessoas. Ainda vale lembrar, que essas pessoas têm juízo sobre “certo” e “errado”, diferentes (ou “distorcidos”, como queiram impor os “eruditos engravatados” dos tribunais). Logo, por exemplo, um pão roubado não se pode equiparar a um roubo de cofre público.

domingo, 6 de julho de 2008

III Competição Literária do Sarau

(By Ethernity)


A terceira competição literária traz uma novidade: os candidatos devem ouvir uma música e basear seu conto nela, e essa é a única regra. Como farão? Bem, isso já é com eles. A música é Dead Can Dance - Nierika; o leitor também pode tirar suas impressões dela e esperar pelo resultado para conferir. Desta vez, os participantes são
1 . Augusto Tavares
2 . Daniel Azevedo
3 . Elze Camila
4 . Ingrid Brasilino
5 . Raelson
Os textos devem ser entregues até o domingo (13). Inspiração a todos!