domingo, 28 de junho de 2009

A Pátria

"(Sarajevo, 1946) Aqui, como em Belgrado, vejo nas ruas um considerável número de moças cujos cabelos estão ficando grisalhos, ou já o estão completamente. Têm os rostos atormentados mas ainda jovens, enquanto as formas dos corpos traem ainda mais claramente a sua juventude. Parece-me ver como a mão desta última guerra passou pela cabeça desses seres frágeis[...]

Tal visão não pode ser preservada para o futuro; essas cabeças logo se tornarão mais grisalhas ainda e desaparecerão. É uma pena. Nada poderia falar tão claramente sobre nossa época às futuras gerações quanto  essas jovens cabeças grisalhas, das quais se roubou a despreocupação da juventude.

Que pelo menos tenham um memorial nesta notinha.

Ivo Andric"

Cruel e impiedosa, sem dúvidas. Apesar da bandeira que carregavam nos ombros, havia um sentimento que crescia gradativamente exigindo o fim da luta, sem importar-se com vitória alguma.

Partamos de Sarajevo, onde Andric começou o texto. Vamos mais para o noroeste. Lá, durante a primeira guerra mundial, em uma certa aldeia francesa perto da fronteira com a Alemanha, estava no auge um dos vários conflitos. Este possuía as seguintes características: avançar pela planície era suicídio, dada a defesa extraordinária de ambos os lados; tanto franceses quanto alemães cavavam com instrumentos primitivos, inclusive as próprias mãos, túneis incrivelmente longos para que, com um pouco de sorte, acabassem embaixo dos inimigos, onde plantariam bombas; e, principalmente, como os túneis eram os únicos meios de atingir seus adversários, todos sabiam que o conflito nunca acabaria. Mas, como sempre, a bandeira urge e o soldado obedece. Ou será que não?

Após dois ou três anos de conflito, a maioria dos combatentes já havia entendido o significado vazio da batalha. Em algumas partes dos túneis podia-se ouvir o que os inimigos discutiam e, o que a princípio era usado para espionar o adversário, passou a ser utilizado para avisar aos combatentes do lado oposto o horário e o local exatos da explosão das bombas. Sempre que possível, soldados de ambas as nações saíam das trincheiras para conversar um pouco e até jogar baralho. Aos poucos o conflito foi adquirindo um ar pacífico e um fim declarado pelos próprios soldados, sem consulta aos superiores. É interessante constar que os alemães contavam com um camarada combatente chamado Adolf Hitler. Este não concordou com as atitudes filantrópicas dos soldados, chamando-os de traidores, mas até ele achou que tal batalha não possuía vantagens ou sentidos.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Lula diz que projeto Azeredo é censura na Internet

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje em Porto Alegre, no 10 Fórum Internacional Software Livre - fisl10 - que no governo dele é proibido proibir. A frase de Lula foi uma referência ao projeto de lei do senador Eduardo Azeredo, que propõe vigilância na Internet. O presidente foi ovacionado pelos milhares de participantes em sua primeira visita ao fisl, que mostraram uma faixa a ele, pedindo que vete a lei Azeredo. Sem afirmar que vai vetá-la, mas sinalizando que se trata de censura na Internet, Lula disse que antes o projeto precisa passar pelo Congresso.

Texto completo e fonte: http://fisl.softwarelivre.org/10/www/06/26/lula-diz-que-projeto-azeredo-e-censura-na-internet

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Pequenas transgressões


São muitos os palhaços que, ao final de um dia de espetáculos, engavetam o nariz vermelho.

Viver numa cidade formal permite observar alguns fenômenos no mínimo curiosos, e o que descreverei é um desses. Pude observar, o que não me custou muito tempo nem capacidade interpretativa, que há, dentre os cidadãos que trabalham vestindo o que vocabulário comum chama de roupa formal - ou costume completo, terno e gravata -: são os que o fazem por elegância, os que o fazem por obrigação e os fantasiados.

Em verdade, quase todos os que se encaixam nesse grupo o fazem por obrigação de trabalho. O segundo grupo, de fato, é aquele que veste a camisa sem se importar; faz porque tem que fazer e tudo bem por isso. O primeiro grupo se sente bem na vestimenta; está elegante e auto-confiante; volta para casa no seu carro com um condicionador de ar ligado em alta potência. O terceiro grupo, que mais chama a atenção, é o grupo dos, como dito, fantasiados.

Esses não vêem diferença entre uma fantasia de Halloween e a roupa de trabalho - excetuando-se que o primeiro certamente há de ser mais divertido. Se lhes impusessem ir ao trabalho trajando-se de Noel, daria na mesma. Usam o que usam por falta de opção. Em especial a gravata; há poucas peças tão inúteis e anti-práticas como as gravatas. São tão desconfortáveis que boa parte dos homens opta por prendê-las.

Essas pessoas passam o dia presos numa jaula que só cabe o próprio corpo - e muitas vezes nem isso. Até que dá a hora de sair.

Mal atravessam a porta, e muitas vezes antes disso, afrouxam a gravata; voltam uma casa do cinto; desabotoam um ou dois dos primeiros botões da camisa; desencam-na; o terno vai parar dobrado no braço, ou, no caso da mão que se deita sobre o ombro, apoiado sobre um par de dedos - típica cena de fim de trabalho. Para a sociedade, são deselegantes, e eles sabem disso. Mas, numa cidade sempre cheia, também sabem que não tem ninguém olhando - todos estão voltados para seus pequenos problemas no fim de um dia normal de trabalho. E assim saem à rua, voltando para casa geralmente a pé, de bicicleta ou ônibus. Felizes com suas pequenas transgressões.

(imagem de Mateus Massa: http://www.flickr.com/photos/mateusmassa/)