quinta-feira, 18 de junho de 2009

Pequenas transgressões


São muitos os palhaços que, ao final de um dia de espetáculos, engavetam o nariz vermelho.

Viver numa cidade formal permite observar alguns fenômenos no mínimo curiosos, e o que descreverei é um desses. Pude observar, o que não me custou muito tempo nem capacidade interpretativa, que há, dentre os cidadãos que trabalham vestindo o que vocabulário comum chama de roupa formal - ou costume completo, terno e gravata -: são os que o fazem por elegância, os que o fazem por obrigação e os fantasiados.

Em verdade, quase todos os que se encaixam nesse grupo o fazem por obrigação de trabalho. O segundo grupo, de fato, é aquele que veste a camisa sem se importar; faz porque tem que fazer e tudo bem por isso. O primeiro grupo se sente bem na vestimenta; está elegante e auto-confiante; volta para casa no seu carro com um condicionador de ar ligado em alta potência. O terceiro grupo, que mais chama a atenção, é o grupo dos, como dito, fantasiados.

Esses não vêem diferença entre uma fantasia de Halloween e a roupa de trabalho - excetuando-se que o primeiro certamente há de ser mais divertido. Se lhes impusessem ir ao trabalho trajando-se de Noel, daria na mesma. Usam o que usam por falta de opção. Em especial a gravata; há poucas peças tão inúteis e anti-práticas como as gravatas. São tão desconfortáveis que boa parte dos homens opta por prendê-las.

Essas pessoas passam o dia presos numa jaula que só cabe o próprio corpo - e muitas vezes nem isso. Até que dá a hora de sair.

Mal atravessam a porta, e muitas vezes antes disso, afrouxam a gravata; voltam uma casa do cinto; desabotoam um ou dois dos primeiros botões da camisa; desencam-na; o terno vai parar dobrado no braço, ou, no caso da mão que se deita sobre o ombro, apoiado sobre um par de dedos - típica cena de fim de trabalho. Para a sociedade, são deselegantes, e eles sabem disso. Mas, numa cidade sempre cheia, também sabem que não tem ninguém olhando - todos estão voltados para seus pequenos problemas no fim de um dia normal de trabalho. E assim saem à rua, voltando para casa geralmente a pé, de bicicleta ou ônibus. Felizes com suas pequenas transgressões.

(imagem de Mateus Massa: http://www.flickr.com/photos/mateusmassa/)

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