terça-feira, 22 de julho de 2008

Todos os olhos


Acordou-se numa bela manhã de domingo e quando olhou pela janela viu um enorme machado de pedra, de pelo menos dez metros de altura, fincado no chão bem em frente à sua casa. Morava com os pais, e foi para a cozinha onde eles tomavam café.

“O que é aquilo?”

“Aquilo o quê?”

“Aquele machado lá fora”

“O que tem ele?”

“O que é ele?”

Sua mãe fez uma cara de preocupada.

“O que você quer saber exatamente?”

“O que aquela coisa está fazendo ali!”

“Sempre esteve ali. Querido, você está bem?”

Decidiu que era melhor deixar pra lá, e continuou o dia normalmente.

Acordou no outro dia com um barulho alto e forte. Vários barulhos altos e fortes depois, ele se levantou e foi para a cozinha. Lá encontrou seus pais na mesa com panquecas em cima de tábuas de carne. Estavam usando machados para cortar pedaços da panqueca, como se fosse um talher, e levavam os pedaços à boca com as mãos. Era um processo barulhento.

“O que é isso?”

“Isso o quê?”

“Que vocês estão fazendo?”

“Tomando café – fiz panquecas, quer uma? Pegue um machado, acabei de lavar”

Decidiu que era melhor deixar pra lá, e continuou o dia meio desconfiado.

Dormiu mal e acordou mal. Quando se decidiu por abrir os olhos, viu um grande olho olhando para ele – e não conteve um grito. O teto agora tinha um olho. Não um olho pintado, nem esculpido. Um verdadeiro grande olho, com veias, dutos lacrimais, pupilas, córneas e uma pálpebra, que piscou. Olhava fixamente para ele. Levantou-se e viu que na ponta da maçaneta da porta havia outro pequeno olho, e aos poucos notou que quase tudo no seu quarto tinha um olho que o observava. Enquanto o criado-mudo o seguia com o olhar, foi para a cozinha. Àquela altura ele não sabia se devia se surpreender ao ver que seus pais não tinham olhos. Olharam para ele, ou pelo menos essa era a impressão.

“Meu filho, o que é isso na sua cara?”

“O quê?”

“Tem duas coisinhas aqui, espera” pegou um lenço e esfregou os olhos do filho. “Não quer sair”

“Mãe, meus olhos!”

“Seus o quê? Meu filho, você está bem? Eu e seu pai estamos preocupados com você, você tem se comportado estranhamente nos últimos dias”

“Não tenho nada”

Quando olhou pela janela na manhã seguinte, sob o olhar vigilante do gigantesco machado, viu que o céu estava verde-limão. Antes que pudesse se espantar, sua mãe apareceu do outro lado da janela, pulando e rindo histericamente, brandindo um machado e com pedaços de panqueca mal mastigada escorrendo da boca. Pouco depois seu pai se juntou à coisa que estava acontecendo, o que quer que fosse, e em cinco minutos ele viu cinco mães suas e quatro pessoas iguais ao seu pai dançando numa espécie de ciranda no jardim, em frente ao machado, brandindo machados, enquanto saboreavam os olhos das panquecas, que davam seus últimos suspiros olhando tristemente para o céu, agora laranja.

Teve medo. Não tinha medo de esculturas inesperadas ou de gente sem olhos, mas sentiu quase um pânico por aquilo que não conseguia explicar. Qualquer coisa que ele tentasse pensar não fazia o menor sentido; perguntou-se se as coisas que ele achava que sabia não teriam mudado também, se ele realmente sabia alguma coisa ou se tudo não era simplesmente uma alucinação; estava num estado em que não sabia se estava louco ou se era louco antes e agora estava aos poucos vendo a realidade. Isso tudo o fez ter medo. Foi na cozinha, pegou um machado meio cego – em qual sentido? – destruiu tudo, matou seus nove pais e partiu sua própria cabeça em dois. O sangue que jorrou era roxo.



Parabéns a Matteo Ciacchi, vencedor da IV Competição Literária do Sarau! Parabéns também aos demais participantes!

4 comentários:

Anônimo disse...

Como uma certa criatura diria: "WTF!?!?"

Conto ótimo e que, de fato, merece destaque. Parabéns ao autor.

bi0hazard disse...

“Tem duas coisinhas aqui, espera” pegou um lenço e esfregou os olhos do filho. “Não quer sair”

“Mãe, meus olhos!”

“Seus o quê? Meu filho, você está bem? Eu e seu pai estamos preocupados com você, você tem se comportado estranhamente nos últimos dias”

Ótima alusão ao preconceitos das pessoas alienadas quanto àqueles que conseguem ver o mundo de outra forma.

Parabéns ao autor pelo xcelente texto!

Anônimo disse...

OEEEEE melhor notícia para ver ao se acordar às sete da manhã ;D

valeu aí ao povo que gostou

GUAHOGIAUSHDGOIASUGASG

Anônimo disse...

realmente interessante! ;)
parabéns pelo conto!