quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Religião como capital político

A palavra “religião”, do latim, relaciona-se às idéias de pacto, aliança, laço, contrato, relação que deve nortear os elos entre deuses e homens, e, por isso mesmo, dos homens entre si. A religião, além desses aspectos, é um modo de se entender e ordenar o mundo, dando respostas mais satisfatórias que as incertezas da ciência e da filosofia. A linguagem religiosa é uma linguagem da relação, da ligação. Um idioma que busca o meio-termo, a possibilidade de salvar a todos e de sempre se poder ver algo bom. Atinge especialmente o povo destituído de tudo, incapaz de estabelecer uma comunicação com seus representantes legais, falar e ser ouvido. A experiência religiosa pode alcançar altos graus de complexidade. Nesses casos, faz-se necessário o surgimento de um organismo dotado de estrutura jurídica própria que defende, como instituição, os valores que adota, seus modos de pensar e suas autoridades. A sociedade religiosa que integra esse grupo poderá ser um exemplo de comunidade.

            O conceito de comunidade pode ser utilizado como um recurso instrumental ideológico e político que visa a produzir e reproduzir a reificação e um sistema moral. Quando se institui a idéia de comunidade a um conjunto de pessoas, presume-se que há um conjunto de crenças e valores diferentes dos demais e assumido por todos os membros desse conjunto, legitimando, com isso, um posicionamento político pela busca da realização desses interesses comuns. É a construção de uma idéia de nós. Considerando-se a existência de um nós e dos interesses comuns que defendem, surge a necessidade de uma atuação política de mediação entre indivíduo (que também é eleitor), comunidade e o fazer político, funcionando, pois, como uma espécie de ouvidor. Mas, para exercer tal papel, é requerido ao político o uso de enorme carisma. Esse carisma, entretanto, diferentemente dos demais tipos, é um carisma de função (ou de instituição), que tem caráter transmissível, estável, durável e independe das – embora possa ser complementada por – qualidades individuais do seu detentor. Cabe a ele, então, reproduzir a mensagem e as exigências da instituição que representa – nesse sentido, podendo ser visto como um funcionário.

            Reconheçamos, pois, o que leva um político a recorrer a essa alternativa, que o torna mais subordinado a certos parâmetros que o que o personalismo da política brasileira usual e informalmente estabelece. Para efetivamente chegar a ser eleito, é requerido de todo aspirante o capital político. Alguns o possuem de origem familiar – sucessores são criados entre os pares consangüíneos. Os que não, precisam buscar o capital político de outras formas, e constituí-lo numa comunidade é uma delas. Sendo um líder ou mesmo somente membro de uma comunidade religiosa, valer-se de discursos de cunho religioso – ou requerer, por esse meio, o apoio de seus semelhantes – é um método de que tem se mostrado surpreendentemente efetivo, ainda mais depois do reconhecimento por parte das instituições religiosas do seu potencial político se se convergisse uma organização nesse sentido. Lamentavelmente, algumas releituras fundamentalistas têm sido feitas de obras religiosas, e estas também conseguem movimentar certa força política. Ainda assim, desconsiderando a potencialidade da ideologia religiosa como falsas representação e motivação, a possibilidade de se pôr à frente um líder que represente um segmento é valorização do ideal democrático por tantos defendido.

            Os políticos que se valem desse sistema também têm em mente o funcionamento de um sistema de corrupção pós-moderno (porque joga no plano das imagens), que se baseia efetivamente na busca do poder pelo poder, num ciclo a se auto-alimentar.  Os que a praticam têm por finalidade (re)elegerem-se, precisando sempre serem competitivos no próximo pleito; reconhecem, igualmente, que os eleitores de hoje não formulam seu voto de maneira racionalista, pelo exame de propostas, e, sim, movidos pelo afeto. Sendo que é, de fato, legítimo o voto pelo afeto, porque o que se decide pelos votos são, essencialmente, valores, escolher um projeto individualista ou social ou, então, de fundamento religioso. A questão – percebida pelos políticos – reside no seqüestro desse afeto, o que mostra marcas profundas de uma dominação carismática.

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