terça-feira, 28 de julho de 2009

Pontos de vista

Seu Silva tinha muitos amigos naquela pracinha. Conheciam-se há algum tempo, isto é, desde suas aposentadorias, quando se tornou possível freqüentar a pacata e decadente praça naquele antigo bairro próximo da praia. Lá, faziam coisas da idade: jogavam damas, conversavam potoca. Contavam as histórias das maiores aventuras passadas ou sofridas na juventude, de como eram sagazes e escapavam, muitas vezes, ilesos. Bebiam ocasionalmente uma cervejinha - Seu Ferreira lembra que, para quem trabalhou 40 anos e um dia pára, todo dia parece sexta-feira. Olhavam as moças novas passarem e não deixavam de fazer suas gracinhas e estrupulias para chamar atenção e, quem sabe, ganhar um olhar ou piscadela. Isso e tudo o mais, faziam-no para evitar pensar ou reconhecer que envelheciam. Mesmo com as marcas no rosto, mesmo com os costumes e roupas que mantinham - ninguém era tão vaidoso assim. Seu Barbosa fazia questão de pagar passagem inteira no ônibus; Seu Almir jura que nunca pagou meia entrada no cinema; Seu Antônio ia no bar e discutia com quem não acreditava quando ele alegava ter só 54. Diziam que, assim, não se sentiam velhos, e se misturavam às pessoas maduras alguns anos mais novas. Bobagem, pensava Seu Silva. Há anos ele se locomovia de graça em transporte público, que pagava meia entrada no cinema ou 50% das diárias de hotéis - mesmo antes de completar a idade permitida para tanto. Assim, dizia ele, pensava voltar à tenra época em que era estudante e o mundo se abria em oportunidades e conhecimento. Achava que era mais feliz assim.

Um comentário:

Kondlike disse...

Eles olham para trás e sofrem, olham para frente e morrem. Para ser velho sê cego.