sábado, 29 de novembro de 2008

Nirvana


Andando na rua com seus próprios pensamentos, idéias, concepções, verdades, alguém esbarra no braço dele. Seus sentidos, agora aguçados, voltam-se para ver, e, durante alguns segundos, focam somente nisso. Ele crê que voltou a si. Mas não. Até aquele momento, ela era a si próprio e tudo - do asfalto ao horizonte. De repente, não mais. O choque nos seus sentidos o faz perceber algo além - aquilo que não é ele próprio; é o outro. Agora, assim, de repente, um mundo bipolar. A obrigação de reconhecer-se pisando no reino alheio - ainda que assim não fosse sua vontade. Dividir o poder do universo com o outro... é provocativo. O esbarrão foi claro. Surge uma terceira força, que mais parecia sempre ter existido: medos concorrentes. Sem asfalto, sem horizonte, o outro delimita o seu próprio poder de ser - funciona como a pele que antes não havia e que permitia a suas vísceras transitar livremente pelo espaço - como se antes houvesse espaço, se ele todo sempre fora ele mesmo. Neste instante, com pele, ele viu-se pelado e desenvolveu pêlos que filtrariam tudo o que chegaria às membranas, de modo a que o mundo externo, definido pelo que ele não é, não o fira. Ele deseja voltar a ser e estar em tudo, o deus em si mesmo. Ele procura o outro e o acha à sua frente. Atravessa-o com suas garras, a dilacerá-lo. Como uma hidra, ganha outra cabeça. Em desespero, sucessivos cortes geram cabeças sucessivas. O asfalto ganha várias formas, várias curvas. E ele passa a viver enclausurado em sua condição de solidão - que só existe quando há por quem se sentir só - e medo - de ter seu espaço novamente tomado - e a sonhar com o dia em que poderá reconhecer que são todas as faces uma só. E que todas estão nele próprio. A pele dele então rasgaria e ele voltaria a ser o horizonte e o asfalto.

2 comentários:

Kondlike disse...

O eu se projeta em vários entes conflitantes, daí é gerado o atma que nos dá personalidade - e nos limita.

Matteo Ciacchi disse...

Andando no meio da rua, duas pessoas esbarram.
- Opa, foi mal
- Foi mal uma porra
Ocorre um assassinato.