terça-feira, 14 de outubro de 2008

Da perspectiva à desilusão

Ela não lhe levará a lugar algum.

As boas ações e o altruísmo são perspectivas individuais de manter-se vivo. Nisso, o pensamento cristão parece tão bonito, mas não quando observado pelo lado individual. Na verdade, a presença no outro não é uma mera concessão de lugar por parte do egoísmo. Fazendo isso, o eu se descobre como uma centelha viva, quando é lembrado ou comentado.
Entretanto, o poder que o pensamento sobre morte nos implica é tão grande, e maior que esta centelha, que por vaidade e luxo – da vontade de continuar – não se supera a idéia de cessar – simplesmente.
Imaginar o nada ainda parece ser bom se comparado ao estar no nada. Na verdade, deixa de ser um estado, uma localização ou uma característica, é uma descaracterização total. Por isso, como dito, esse poder de pré-cognição (do “fim do finito”) tende a ganhar vantagem, ao ponto de que, se não fossem os meios de escape, a exaustão cerebral certamente seria um fato seguro. E aí entra o pensamento cristão (e demais semelhantes): a da perspectiva individual de manter-se vivo, mesmo após o facto pré-conhecido, seja no espírito, no filho ou no pai. Mas isso também implica no não-mais-bonito pensamento cristão: o de exaltar-se no além, uma projeção de encontro ao ser, o estar indefinidamente.
Por fim, juntando-se o necessário ao desejável, surge um ser-no-nada, um não-ser para a tudo consolar: a idéia da finitude, da paralização, do estático e da inconsciência a partir de um ponto e tendendo ao infinito. Esse ser não passa de um consolo individual, uma prática mesquinha e uma forma de escape, uma forma de tentar enganar a consciência da consciência, da natureza da morte.
O vazio contínuo assusta quem não tem prévio conhecimento e não tem costume de associar um fim aos fatos. Por toda a natureza, é percebido um comportamento instintivo de perpetuação, mas não de continuação. Animais lutam por sobreviver, mas não por luxo, por questão social. Sua liberdade é uma função da espécie. A prova disso é que não existe suicídio entre a natureza não-humana. Esses seres desfrutam da vida em comum, ignoram o fato de uma parada brusca, uma transição para o nada, simplesmente estão a deriva naquele estado. Como uma criança que tem tanta consciência de que um pulo de um prédio será fatal, quanto um louco.
Aquele que reflete sobre sua vida – e por isso não deixa de refletir sobre a morte – está num patamar onde a idéia do vazio contínuo se torna presente, mas não tão assustadora, uma vez que o desfrute da vida é mais importante agora. O costume de conversar com ela, torna-lhe – a vida – mais atraente, torna-lhe mais urgente, como quem se descobre a beira da morte e desilude-se da idéia infantil e duvidosa de deus.
E, se for desprezado a cortezia egocentrista do pensamento religioso, aquele que torna a vida urgente apreciará melhor, assustar-se-á menos, e precirá tampouco de consolo da além-vida. Talvez nesse curto período de privilégio cedido pela natureza, seja possível estar vivo, sem se assegurar em um destino, uma meta-vida de encontro com o ser, ou seja, existir, sem necessidades de perspectiva do eu em outro local, senão na própria existência, tornando-se diferente das fraquezas e consolos religiosos, da inocência e loucura, da inconsciência animal, além de tornar-se livre do “inferno dos outros”.

Um comentário:

Engel disse...

Uma vez, vi uma frase que me pareceu assustadoramente verdadeira:
"Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer."

Excelente texto.