segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pedaços

O deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo havia desaparecido há 14 horas. Testemunhas alegam tê-lo visto sendo seqüestrado por um sujeito descrito apenas como engraçado ou diferente, que o colocara num Opala enferrujado. O motivo aparente era perseguição política. Havia se iniciado uma pesada operação policial encarregada pela procura do deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo. Eis que senão, de madrugada, já nas saídas da cidade, uma patrulha pára um Opala velho como o descrito. O encarregado se aproxima do vidro do carro, forçado a parar, acende a lanterna e olha para o motorista. Bigode mal-feito, cabelos esbranquiçados, rosto fino e muito descuido.
- Boa noite.
- Boa, seu policial.
- Esse carro é seu?
- É sim, senhor.
O policial iluminou o espaço atrás, que era coberto com alguns mantos igualmente velhos.
- Tá transportando o quê?
- É fruta.
- Fruta? Uma hora dessas?
Fez que iria investigar para testar o homem, que prontamente se mostrou contrário e nervoso.
- Qu'é que o senhor vai fazer?
- Vou abrir a porta de trás do carro.
Ele saiu do carro. Encarou o policial. Pôs as mãos no bolso. Tentou impedir que a porta de trás fosse aberta posicionando seu corpo em frente ao trinco enquanto conversava. O guarda o afastou e abriu a porta.
- Encoste as mãos no carro e não se mova.
Foi levemente retirando os panos. Retirou o primeiro trapo devagar. Uma caixa de isopor velha. Abriu-a. Surpreendeu-se ao achar nada mais que morangos. Morangos? Recolocou no lugar a caixa. Puxou outro dos panos a esconder o volume. Uma caixa de madeira mal fechada. Abriu-a. Já não tão surpreso, encontrou bananas. Outro pano; outra caixa: laranjas. Pano; caixa: maçãs. O homem ria. Puxou rapidamente um pano e retirou mais uma caixa, arremessando-a, irritado, para fora do carro. Foi verificar o conteúdo. Acerolas, que fez questão de pisotear. Droga! Nem drogas? Tirou os tapetes, arrancou parte do estofado, molas, a mala, espaços dentro do motor, a roda. Nem maconha? Nem importados ilegais? Procurou em cada canto que pôde. Até no homem. Ele ria, ria freneticamente, um riso que alternava entre agudo e grave numa composição verdeiramente incomum.
Não podia ser. Por que ele ria? Por que se recusara a cooperar se não escondia nada? Provou as frutas. Não eram frescas, mas também não aparentavam portar contaminação. Checou a documentação, a identidade, a placa; nenhum problema que poderia culpar o senhor que coçava a barba grande que reunia um histórico de várias refeições. Não era o melhor sujeito, mas não podia ser dito um sujeito errado. Deixou que o homem tirasse as mãos do carro. Alinhou-o, coluna e pescoço, e olhou com um ar da insatisfação do médico que diagnostica errado. Recuou um pouco e, com mais vontade que força, atingiu na barriga o homem, que cambaleou, e depois chutou-lhe as pernas, para que caísse.
Os outros guardas observaram à toda a cena impassíveis. O homem cuspiu sangue e, com um sorriso amarelado, acendeu um cigarro, reuniu o que havia para ser reunido daquilo que ele transportava, subiu no carro e foi embora.
O deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo continuou sumido. Acontece que o policial era normal demais. Acontece que ninguém acredita mais no poder de essência de frutas e serras de osso. Acontece que hoje ninguém mais acredita no poder de um bom feiticeiro, cuja praticidade faz lembrar, ainda que distante, um pouco do Magaiver que reside em toda coisa inusitada de pessoas inventivas. E o homem ri até hoje lembrando da cena.

5 comentários:

Anônimo disse...

pois é, algum presidiário pegou aquela banana, fez uma vitamina, pegou a mina, explodiu, fez um terremoto, pegou a moto e fugiu da cadeia. ingênuo ingênuo policial

Anônimo disse...

Eu acho que o histórico de diversas refeições é o deputado. =x

Raelson Farias disse...

Incrível, é possível interpretar de várias maneiras.

Unknown disse...

O 147 não tem porta de trás, por conseguinte, também não tem trinco da porta de trás

Anônimo disse...

philipe has been pwned